“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Depois do fim

          "Imperador"/"Emperor" (2012), a terceira longa-metragem do inglês Peter Webber, até agora conhecido sobretudo por "Rapariga com Brinco de Pérola"/"Girl with a Pearl Earring" (2003), filme com que se estreou no cinema, não é nada extaordinário mas mostra claramente a consciência da história do cinema americano.
     Todos sabemos que Hollywood tem uma acentuada preferência pelo filme de guerra espectacular, pois para os seus mentores é o espectáculo da guerra que mais pode interessar. Aliás, a relação do cinema com a guerra foi muito bem estudada por Paul Virilio em "Guerre et cinéma I - Logistique de la perception" (Paris, Cahiers du Cinéma, 1984, 1991), ainda hoje uma obra de referência. Ora é precisamente por, sendo bem feito, este filme se ocupar do tempo imediatamente a seguir ao fim da II Guerra Mundial, após a rendição incondicional do Japão, que ele me interessa. Embora sem assumir explicitamente um lado de propaganda, "Imperador" descreve o percurso pelos bastidores do General Bonner Fellers/Matthew Fox para, sob o comando de Doug MacArthur/Tommy Lee Jones, o famoso general americano que fez as campanhas das Filipinas e foi Comandante Supremo das Forças Aliadas no Sudoeste do Pacífico e depois no Japão, apurar as responsabilidades do Imperador Hirohito/Takataro Kataoka na guerra, nomeadamente no ataque a Pearl Harbour, em ordem a determinar a futura atitude americana relativamente a ele.
                                                              
       Ao assistir a este filme percebemos que ele nos mostra os acontecimentos tal como eles são supostos se terem passado - baseia-se em livro de Shiro Okamoto, com argumento de Vera Blasi e David Klass. Mas mesmo admitindo que seja parcialmente romanceado, "Imperador" mostra de maneira muito clara a diferença entre duas culturas, estranhas uma à outra, uma diferença que estabelece a distância que Fellers, ajudado pela sua memória sentimental (Aya/Eriko Hatsune), tem de vencer e com a qual MacArthur tem de lidar para que o passado não comprometa o futuro, antes possa ser usado favor dele.
      Assumindo sem ambiguidades o projecto de contar a história de uma missão difícil e de resultado incerto - embora, sendo feito hoje, essa incerteza tenha que ser encenada, o que o filme cumpre bem -, Peter Webber lida com seriedade com o material ao seu dispor para mostrar como se tornou claro aos militares americanos que aquela não era, como supunham os seus mandantes de Washington, os mesmos que tinham ordenado o bombardeamento nuclear de Hiroshima com que o filme começa, uma situação a preto e branco, antes uma situação que exigia grande atenção à especificidade japonesa e grande sensibilidade às diferenças culturais, para mais logo a seguir a uma derrota militar esmagadora e humilhante.
                     Emperor - Kampf um den Frieden : Bild
         Que um filme, para mais sobre uma guerra sem qualquer margem de ambiguidade, nos faça a todos, americanos e não-americanos, pensar é mérito maior deste "Imperador", em que Tommy Lee Jones tem uma composição histórica ao lado de Matthew Fox. Se os valores tradicionais japoneses são aqui claramente mostrados em toda a sociedade e em especial na figura do Imperador numa época difícil, com grande relevo para a honra, o respeito e a lealdade, são também os valores democráticos americanos que, bem apresentados, com dignidade surgem e se impõem.       
        Agora este filme, que com a sua preocupação de ser politicamente correcto até fica aquém daquilo que se poderia ter prestado a ser, não impede, de maneira nenhuma, que o grande filme sobre o Imperador Hirohito, Doug MacArthur e a II Guerra Mundial seja "The Sun"/"Solntse", de Alexandr Sokurov (2005). A comparação permitirá mesmo compreender com clareza a diferença entre um bom realizador de cinema e um grande cineasta (sobre Sokurov ver "Um grande artista", 20 de Abril de 2013).

Sem comentários:

Enviar um comentário