“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 6 de julho de 2013

No limite do caos

        A quarta longa-metragem do mexicano Carlos Reygadas, "Post Tenebras Lux" (2012), é um filme muito curioso, até pelas suas especificidades técnicas, que escolhe mover-se numa linha limite entre realidade e fantasia, como num jogo, para o que o seu final explicitamente remete. Pode gostar-se mais ou menos dele, mas é dessa maneira que o filme se apresenta. Embora tenha gostado dos seus filmes anteriores, em especial de "Luz Silenciosa"/"Stellet Licht" (2007), devo começar por dizer que considero que o cineasta envereda aqui deliberadamente por uma narrativa não linear e ambígua sem que, a meu ver, daí retire grande proveito - já o fizera, talvez melhor, em "Batalha no Céu"/"Batalla en el cielo" (2005). Eu explico-me.
                    Post Tenebras Lux 
        É natural que qualquer cineasta se sinta atraído por universos conflituais que se atraem e repelem no mesmo filme. Reygadas utilizou-o bem em "Batalha no Céu" e aqui procura seguir o mesmo caminho mas por simples prazer, por gosto e divertimento, sem que se sinta uma verdadeira necessidade da sua parte. Nem sequer discuto a qualidade do filme, que me parece muito boa pela inteligente utilização do fora-de-campo, permanentemente convocado com grande pertinência, e pela boa utilização das suas especificidades técnicas (o formato do ecrã, a sombra das personagens). O que sinto é que este "Post Tenebras Lux", um pouco como o último filme de Terrence Malick, "A Essência do Amor"/"To the Wonder" (2012), gira em volta de si próprio e das suas personagens um tanto no vazio, sem  projecto definido.
         Há referências cultas (Dostoievski, Tolstoi), há limiares entre o real e o onírico, há o esboço de um jogo de sombras mútuas, junções de imagens através da montagem mas sem consequências que não se resolvam, elas também, entre o real e o onírico, num filme que nos entretém sem nunca nos agarrar verdadeiramente nem exigir muito de nós.
                    http://www.vivaverve.com/shopimages/articles/stills/Post%20Tenebras%20Lux%2050..jpg
          Há um casal, Juan/Adolfo Jiménez Castro e Natalia/Nathalia Acevedo, há as crianças, há El Siete/Willebaldo Torres que trabalhou para Juan, e enquanto acompanhamos o casal somos levados a interessar-nos por ele, sem que El Siete surja senão episodicamente e mesmo assim num registo lateral de alguma ambiguidade. Por outras palavras, não surge no filme, apesar do diabrete, um mistério que envolva as três personagens de forma criadora, que as assombre ou nos assombre, tudo se fica por sugestões, interessantes embora mas apenas esboçadas como tal, com maior efeito visual do que narrativo.
       Claro que Carlos Reygadas faz os filmes que quiser como ele quiser e lhe apetecer, utilizando o seu saber do cinema, que não está de maneira nenhuma em causa. Agora neste filme as personagens divergem de uma qualquer proximidade por caminhos paralelos e divergentes, com uma ou outra eventual intersecção, do que me parece não resultar qualquer benefício substancial, antes uma deriva por si mesma pouco significativa, da qual nem sequer fica muito espaço - ou então, excesso de subtileza, fica espaço em excesso - para a imaginação do espectador, difícil de exercer com rigor sem acesso pleno aos códigos culturais utilizados.  
                    
        "Post Tenebras Lux" tem, apesar de tudo, uma forte ligação com a natureza no início e no fim, o que de alguma maneira o contamina e lhe confere uma linha de rumo pelo menos parcialmente compreensível. Agora o interesse dos universos eventualmente diferentes que são apresentados surge-me como de reduzido alcance para lá do meramente lúdico, que para muitos bastará. Confesso que esperava mais, mesmo uma maior complexidade narrativa, com maior número de linhas, o que até já tem sido feito. Mas reconheço que formalmente é um filme muito bom de um dos cineastas que melhor permite falar de um "cinema novo" mexicano, que aprecio.

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