“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

segunda-feira, 29 de junho de 2015

9 dias no Haiti

   "Meurtre à Pacot" é uma co-produção haitiano-franco-norueguesa realizada pelo haitiano Raoul Peck (2014), também produtor e co-argumentista com Pascal Bonitzer e Lyonel Trouillot, que passou a semana passada no Arte.
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    Trata-se de um filme muito bom, centrado num casal que perdeu o filho na sequência do terramoto de 2010 no Haiti, perda de que a mulher/Joy Olasunmibo Ogunmakin culpa o marido/Alex Descas, e que aluga a sua casa ameaçada a um outro casal de ocasião, Alex/Thibault Vinçon e Adrémise-Jennifer/Lovely Kermonde Fifi, ele francês em ajuda humanitária, ela nativa do Sul do país. Com a casa em perigo e em recuperação, o primeiro casal recolhe-se a um anexo modesto, enquanto, cada um seguindo a sua vida, os caminhos dos quatro se cruzam sucessivamente em situações diferentes.
     Revelando ser cental naquela situação, depois de ter desinquietado a mulher e resistido às investidas do homem, Adrémise-Jennie, a mulher de dois nomes, ao pretender partir é esperada por um Alex armado e perseguida pelo homem até uma luta corpo a corpo na lama. Ao nono dia apenas chegam os outros três.
                      Meurtre à Pacot - © Raoul Peck
    O argumento é muito bom e também a realização de Raoul Peck, sempre atenta ao estado precário da casa e à fluidez das relações entre personagens acossadas pela situação e que se põem umas às outras em causa, personagens todas elas interpretadas por excelentes actores - Joy é Ayo, a conhecida cantora. Entre a natureza (o formigueiro, os cães) e o poder em estado de emergência. Claramente pasoliniano ("Teorema", 1968), o esquema narrativo funciona muito bem no huis-clos daquele espaço, transformado em arena de conflitos cruzados que combinam ressentimentos, anseios, decepções e o desejo indizível de fazer outra coisa sem cada um deles - mesmo Jennie que no final quer regressar ao seu nome primitivo - deixar de ser quem é.
     Pois é, eu não tenho as vossas prioridades e por isso continuo a ver o melhor do cinema no Arte - e então com a participação de Pascal Bonitzer (ver "O prazer do cinema, de 24 de Outubro de 2013) vejo sempre. Raoul Peck, que deixa aqui excelente impressão, tinha já feito um documentário sobre a reconstrução após o terramoto de 2010 no Haiti, "Assistance mortelle" (2013), obviamente também ele inédito em Portugal.

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