O canal cultural franco-alemão Arte transmitiu esta semana o excelente filme "La pirogue", do senegalês Moussa Touré (2012), que, baseado no romance de Abasse Ndione "Mbëkë mi", se centra na viagem de barco entre a costa ocidental de África e o Sul da Europa de um grupo de africanos clandestinos que procuram no Norte rico as condições de trabalho e subsistência que não encontram nos seus países de origem.
Decorrendo, depois de uma introdução e antes de um epílogo que estabelece a circularidade, na pequena embarcação em que decorre a verdadeira aventura que é uma travessia do mar numa piroga, o filme está muito bem resolvido em termos cinematográficos, com uma planificação que vai do plano médio ao grande plano e ao plano de pormenor, por forma a permitir-nos conhecer individualmente cada um dos passageiros, a que se junta uma clandestina, naquele espaço reduzido.
Apreciei este "La pirogue" pela tensão dramática que estabelece e mantém durante a travessia, com a fatalidade de tentar saber qual será deles "o próximo a morrer" no meio dos conflitos e das tempestades que, num espaço tão pequeno e vulnerável, não tardam a estalar e ameaçar, sem prejuízo do prosseguimento da aventura.
Um filme como este é muito importante por chamar a atenção para um problema muito grave e actual que, nas suas consequências mortais devastadoras, enche os noticiários televisivos sem nunca ser encarado na sua raiz, nas suas origens. É evidente que, enquanto os países da Africa sub-saariana viverem em situação de pobreza e privação endémica, os seus habitantes continuarão, legitimamente, a tentar encontrar melhores condições no Norte rico. E só quando os países desse Norte rico perceberem que têm de investir no desenvolvimento independente de África se poderá pôr verdadeiramente termo a uma situação, ela própria, atentatória dos direitos humanos e da democracia, fixando as populações locais.
A pobreza de África é uma mistificação política e económica que, em termos neo-coloniais, os países ricos do Norte alimentam em cumplicidade com regimes não-democráticos, que da democracia exibem apenas a fachada necessária para poderem continuar a ser aceites na comunidade internacional. Quem sofre as privações continua a sofrê-las mesmo em países que são, em si mesmos, ricos, e continua a procurar vida, a qualquer custo, noutros lados, onde a sua integração vai levantar e agravar os problemas. E assim as desigualdades Norte/Sul mantêm-se e até se agravam.
Grato ao Arte por mais este grande filme a que de outro modo não teria tido acesso e que continua acessível no site deste canal, www.arte.tv/fr, até 2 de Julho próximo. Se, como eu fiz, o virem em simultâneo com o "Requiem" de Verdi, disponível no mesmo site, verão como tudo faz mais sentido.
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