“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 21 de maio de 2016

Astuciosamente, as ilhas

     O mais recente filme de Luís Filipe Rocha, "Cinzento e Negro" (2015), é uma nova demonstração do talento deste realizador que, sem dar nas vistas, vem traçando um rumo pessoal e definido no cinema português.
                      Luís Filipe Rocha’s Cinzento e Negro to compete at Montreal
    Agarrando em alguns lugares-comuns - o polícia de "competência implícita" e que fuma tabaco português, a açoreana de "acesso fácil" para viajantes -, Luís Filipe Rocha constrói o seu filme com base em cinco personagens, quatro na actualidade a quinta no regresso ao continente que explica depois o que aconteceu antes.
    Pouco dado a artifícios formais mas sem temer a complexidade nem a subtileza, o cineasta, também argumentista, trabalha a narrativa e as personagens intensivamente, sobretudo o inspector Lucas/Filipe Duarte e Maria/Joana Bárcia, num grande trabalho da actriz como mulher com pé boto que retém e recorda cheiros. Todas as situações espacial ou temporalmente mais complicadas são resolvidas de forma desenvolta e certeira  
                    
      Pelo meio são esboçadas algumas, muito claras citações cinematográficas só para iniciados, mas o que verdadeiramente interessa são a narrativa retorcida mas no fim de contas muito simples e as personagens reduzidas a esboços que excedem sempre a simples caricatura - mesmo David Justo/Miguel Borges, o homem do dinheiro, em fuga e que troca de par, e Marina/Monica Calle. O final está muito bem resolvido entre Maria e David: "Já passou".
      Mal habituados pelas alarvidades que chegam às salas de cinema com sucesso comercial, os espectadores portugueses podem, mas não devem passar ao lado deste filme muito bom de um cineasta sério cuja obra merece, quanto mais não seja a partir deste filme, ser melhor conhecida. Este é, a meu ver, o seu melhor filme desde "Adeus, Pai" (1996), curiosamente também passado nos Açores, embora tenha achado o som demasiado volumoso, o que pelo menos permite ouvir e perceber tudo o que é dito e prescindir das tantas vezes necessárias legendas em portugs.   
                   
       Mais uma vez, os Açores, desta feita o Faial e o Pico, ficam muito bem vistos no cinema português. Que isso aconteça pela mão de um bom cineasta, que para mais se abona em Raul Brandão para o título, num filme de amor, traição e morte não é certamente fruto do acaso.

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