Por mim não valia a pena os distribuídores portugueses terem-se incomodado em estrear comercialmente o último filme do catalão José Luis Guerín, "A Academia das Musas"/"La academia de las musas" (2015). Regressado aos anos finais do século passado nas salas dos King, em Lisboa, em que vi pela primeira vez ao seu assombroso "Comboio de Sombras"/"Tren de sombras" (1997), assisti sozinho na sala a este filme que merecia outros espectadores. Mas ainda bem que ele nos chegou.
Não tem outros espectadores porque não os procura, no seu movimento entre documentário e ficção, de novo muito bem explorado, desta vez em volta dessa coisa de suma má fama desde Platão: os poetas e a poesia. A partir de um dispositivo fixo, uma sala de aulas numa universidade, o filme centra-se no professor de filologia, Raffaele Pinto, depois seguido com algumas alunas e em casa com a mulher.
Mais do que o cerco ao saber, que também é, "A Academia das Musas" de José Luis Guerín monta o cerco à poesia e ao professor já entrado que dela se atreve a falar, nas suas aulas e fora delas, às suas alunas. Da poesia e da beleza, com recurso à mitologia. Nós sabemos que ele tem o poder da palavra, da linguagem, na qual o filme se vai estribar para a sua argumentação sobre a poesia, mas também percebemos que a realidade das alunas, que ele não deixa de influenciar, lhe foge por todos os lados. E no cerco montado é isso que, entre aceitação e reserva, é mais importante.
No discorrer sobre a poesia vai muito do maior interesse do melhor deste filme, que deambula entre Barcelona, a Sardenha e Itália, concretamente Nápoles, que se perde em requebros de filmar mulheres jovens dando-lhes também a palavra: a origem da poesia e a sua crítica, mas também a origem do cinema e a sua prática.
Continuando a fazer exactamente aquilo que quer com quem quer, num filme construído a pouco e pouco o cineasta continua a debruçar-se nos abismos do cinema. E ao entrar no campo da poesia, em pleno, sem actores profissionais ele vai ao encontro do melhor do cinema e da sua arte.
Que se meta pelos labirintos conhecidos do passado - renascentista, medieval, antigo - só lhe fica bem, que não se reencontre plenamente no presente faz a sua mais pertinente crítica. (Por mim vou muito pelos clássicos e o verso livre, ou branco, deixa-me no contexto indiferente.) Acolho muito favoravelmente a fidelidade de José Luis Guerín a um modelo pessoal que impôs e o tornou uma referência continuada do melhor do cinema contemporâneo.
"A Academia das Musas" é um grande filme que se interroga sobre a poesia e a beleza, a vida e a morte. Sobre o cinema.
"A Academia das Musas" é um grande filme que se interroga sobre a poesia e a beleza, a vida e a morte. Sobre o cinema.
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