“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 18 de junho de 2016

Uma vida

     O mais recente filme de Mia Hansen-Love, "O Que Está por Vir"/"L'Avenir" (2016), confirma-a plena e definitivamente como a grande cineasta que os seus filmes anteriores anunciavam.
   A partir de novo de um argumento seu, o filme acompanha uma mulher, Nathalie Chazeaux/Isabelle Huppert, professora de filosofia, casada com Heinz/André Marcon, com dois filhos e uma mãe, Yvette/Edith Scob, e um antigo aluno preferido, Fabien/Roman Kolinka. Ela tem problemas com os alunos, com a sua editora, com o marido de quem se divorcia, com os filhos que partem, com a mãe (grande Edith Scob) que acaba por morrer, com Fabien, com a gata, o que significa que a sua vida está recheada de problemas. Como a nossa.
                    
     Com uma Isabelle Huppert ao seu melhor nível e actores todos eles muito bons, Mia Hansen-Love constrói uma trama narrativa, visual e sonora muito boa, em que tudo está no seu sítio preciso e nada falha, entre Paris, a Bretanha e os Vosges. Reunindo três, no fim quatro gerações de uma família em volta de uma mulher que de súbito se descobre independente, "O Que Está por Vir" é um excelente filme no feminino sobre a vida. Isso mesmo: a vida, morte e nascimento incluídos.
       Tem momentos em que me lembra Eric Rohmer mas tem sobretudo uma linha de rumo que o faz andar sempre em frente, imparável como a vida. E se Nathalie troca a gata que oferece pelo neto que recebe isso não nos deve fazer esquecer todo um percurso pela filosofia, a sua profissão, que passa pelos excertos lidos, pelos comentários, pelos livros mostrados, o que faz lembrar aquele cineasta de proa da nouvelle vague francesa de quem não preciso de vos dizer o nome.
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      A cineasta diz ter-se inspirado nos seus pais, professores de filosofia, e no seu convívio com colegas e alunos intelectuais de esquerda, o que passa muito bem nas personagens e nas discussões do seu filme e será responsável pelo tom político reflexivo que, quase em surdina, o atravessa. 
      Tudo sereno, como na vida moderna, com os sobressaltos e pressões a que todos estamos sujeitos. E tudo com uma realização precisa, seguríssima, de quem sabe exactamente o que quer e o que está a fazer e o plano final confirma (sobre Mia Hansen-Love, ver "Amanhã à mesma hora", de 29 de Agosto de 2013, e "O ritmo de tudo", de 9 de Maio de 2015).       

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