“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quinta-feira, 23 de maio de 2013

A aproximação do fim

      "Os Nossos Filhos"/"À perdre la raison" (2012) é o primeiro filme do belga Joachim Lafosse que estreia em Portugal. Embora baseado em factos reais não os segue literalmente, e está muito bem construído em volta das suas personagens principais, Murielle/Émilie Dequenne, Mounir/Tahar Rahim e André Pinget/Niels Arestrup.
       Acompanhando desde o início o par Mounir/Murielle, que depois de casarem vão viver com o pai adoptivo dele, André Pinget, o filme mostra-nos a evolução comum de um casal comum, ela europeia, ele marroquino, com as sucessivas filhas que vão nascendo, as questiúnculas resultantes de viverem em casa alheia com um intruso para eles, uma viagem primeiro de Mounir, depois de todos a Marrocos, onde vivem a mãe e a família dele.
                    
        É gradualmente que, a partir do terceiro parto, Murielle vai dando sinais mais inquietantes de instabilidade e depressão, com um primeiro comportamento excessivo com um aluno, excessivo da parte de quem é professora de alunos muito novos como ela é, com um quarto parto por cesariana e, sobretudo, com o espantoso plano dela a conduzir um automóvel enquanto ouve música, uma canção romântica, até rebentar em lágrimas e parar o carro.
      Durante todo este tempo, que corresponde à maior parte do filme, a câmara de Lafosse mantém-se muito próxima das personagens, dos seus rostos, de maneira que a modificação do comportamento de Murielle é dada de muito perto do seu elemento mais expressivo, o rosto - e Émilie Dequenne está sempre muito bem. É na parte final que a câmara se afasta mais para nos dar com maior precisão e distância os cenários e as personagens, até um final aterrador que sucede fora de campo e é apenas sugerido por uma elipse.
                                    
       Com uma construção temporal muito interessante devido ao frequente e apropriado uso da elipse, "Os Nossos Fillhos" tem uma construção do espaço em planos que encerram as personagens no universo familiar e social em que vivem com os seus problemas próprios, distribuindo-as judiciosamente no plano construído de forma precisa e fechada. Assim, a elaboração formal está na construção dos planos, que deixam o espaço estritamente necessário aos actores, todos muito bons e bem dirigidos, na música, que tem uma parte muito importante, e na montagem elíptica.
       Sem desenvolver excessivamente os dados psicológicos das personagens em benefício de mostrar secamente o desenvolvimento da situação através de causas e consequências, Joachim Lafosse cria um filme muito seguro que, sobre uma situação terminal, diz tudo o que é necessário para compreendermos a aproximação e a chegada do fim, sem explorar o melodrama, de olhos secos e quase friamente, o que aumenta o interesse do filme com um olhar de entomólogo, à maneira que era característica de Claude Chabrol, que certamente o teria apreciado. Pessoalmente, sou mais sensível a essa leitura imediata do que à leitura de tragédia grega para que a música coral (Haydn, Scarlatti) na sua solenidade pretende remeter, mesmo assim uma leitura que, proposta pelo próprio cineasta, deve ser considerada. O facto de se basear em factos reais apenas aumenta o interesse e justifica, sem dúvida, o respeito do cineasta e a secura do filme. Podia ser ficcional, e já era muito bom, mas ser baseado em factos e personagens reais aumenta o seu interesse e o seu alcance porque os ficcionaliza para os compreender. 

Sem comentários:

Enviar um comentário