O
nº 17 da revista "Textos e Pretextos", do Centro de Estudos
Comparatistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, do
Outono/Inverno de 2012, é dedicado ao poeta Herberto Helder, o nome
maior da poesia portuguesa contemporânea, e está inteiramente à altura
do seu objecto de estudo. A revista tem como Directora Margarida Gil dos
Reis e este número, que tem como Editor convidado Manuel Gusmão, tem
uma fotografia de Jorge Molder na capa.
A bibliografia herbertiana conta já com alguns estudos de vulto,
parcelares ou, mais raros, sobre toda a sua obra, e este número desta
revista vem acrescer-lhe de forma muito digna e até decisiva pelo leque
de contributos de grande nível que reúne sob a forma de ensaios e sob a
forma de testemunhos, que na sua maioria ensaios também são. Destaco
entre os primeiros os de Pedro Eiras e Rita Novas Miranda, "A pedra na
cabeça. Herberto Helder, René Descartes, uma questão de loucura" e "Uma
escrita para ver", respectivamente, entre os segundos os de António
Guerreiro, Maria Filomena Molder e Silvina Rodrigues Lopes, pelo simples motivo de serem aqueles que, leitor herbertiano de longa data, mais me tocaram.
Tenho para mim que a poesia é uma das expressões literárias mais
difíceis de gostar pelas boas razões, e que ou somos tomados por ela,
ocupados, saqueados, divididos, ou então nem sequer valerá grandemente a
pena pensar nisso. E na poesia portuguesa dos últimos cem anos há
grandes poetas em termos absolutos, de modo que ou se começa por eles ou
se acaba por chegar a eles. Vou nomear os maiores, com os quais convivo
desde muito novo: Fernando Pessoa (claro), Jorge de Sena, Sophia de
Mello Breyner e Herberto Helder. Embora tenha memória precisa de quando
os comecei a ler não o vou contar, porque são memórias pessoais, aqui
irrelevantes. Mas de entre estes quatro destaco sem dúvida o último pelo
torvelinho primitivo em que a sua criação poética, indomável, sempre se
tem movido: na poesia, na prosa ("Os Passos em Volta" é o seu "Livro do
Desassossego"), na tradução.
Há em Herberto Helder a ideia do poema contínuo que
se torna avassaladora e nos permite entrar na sua obra por qualquer
livro, qualquer poema, e continuar um percurso apaixonante e apaixonado
sem parar, sem fim. A sua própria biografia pessoal, muito diferente das
de todos os outros, aponta para um entendimento da vida, da arte, da
escrita e da poesia original e único. Mas terá sido o longo e
persistente trabalho pessoal, em que a reflexão assume contornos
filosóficos na persegição poética de uma origem, de uma experiência e de
uma identidade susceptíveis de serem partilhadas pela experiência
comum, que o terá levado ao ponto de figura máxima, inimitável e
insubstituível no panorama da literatura e da poesia portuguesa. Se
Pessoa foi o drama em gente, ele é o drama ingente, e pressupõe-no na sua fulgente modernidade.
De uma excepcional exigência consigo próprio, com os caminhos que
desvenda e percorre, Herberto Helder fascina-nos com os seus saberes
primordiais e agarra-nos com
as suas verdades elementares laboriosamente descobertas, saberes e
verdades que, sendo sempre pessoais, se transmitem de maneira poderosa e
irrefutável aos leitores, que neles descobrem sempre alguma coisa de
novo em que nunca ninguém antes dele tinha pensado daquela maneira,
mesmo se as ligações culturais do poeta são múltiplas, como este último
número desta revista ajuda a compreender. E os saberes e as verdades
dele são sempre procurados no sensível, no visível - há na sua poesia
uma presença recorrente do cinema e da imagem em movimento -, no
visualizável, de modo que lê-lo ou relê-lo é sempre entrar numa
experiência única e pujante, de uma energia humana que trespassa o mundo
que descobre e faz ver ao mostrá-lo e fazê-lo sentir por palavras, pela
palavra poética, como dele e nosso.
Com isto não pretendo mais que chamar a vossa atenção para Herberto
Helder, um poeta vivo que seria muito estranho alguém desconhecer,
embora também aqui compreenda que ele é daqueles casos que ou se ama,
perdidamente, ou se rejeita, o que significa sempre uma separação de
caminhos e de companhias. Chamar a atenção para ele e para o nº 17 da
"Textos e Pretextos", enriquecido por uma Cronologia da responsabilidade
de Ana Raquel Fernandes e Rute Beirante, uma Bibliografia seleccionada,
activa e passiva, da responsabilidade de Margarida Gil dos Reis, e um
poema inédito, autógrafo. É um bom guia de navegação para iniciados e não iniciados
Ao Herberto, como ao Shakespeare e ao Pessoa, eu leio-os em voz alta
pela noite dentro, sempre no original, com o que me dou muito bem e
aconselho que façam com o que gostam. Com música ou no silêncio da
noite: "- e é tudo quanto se pode aprender até que a noite venha/e
desfaça,/a noite amarga" (Herberto Helder). E aí no cinema ninguém o
pode, os pode substituir, só o cinema como cinema, filme a filme e no seu todo, com ele, com eles pode ser comparado e dialogar.
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