“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Pontifex Maximus

      O nº 17 da revista "Textos e Pretextos", do Centro de Estudos Comparatistas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, do Outono/Inverno de 2012, é dedicado ao poeta Herberto Helder, o nome maior da poesia portuguesa contemporânea, e está inteiramente à altura do seu objecto de estudo. A revista tem como Directora Margarida Gil dos Reis e este número, que tem como Editor convidado Manuel Gusmão, tem uma fotografia de Jorge Molder na capa.
     A bibliografia herbertiana conta já com alguns estudos de vulto, parcelares ou, mais raros, sobre toda a sua obra, e este número desta revista vem acrescer-lhe de forma muito digna e até decisiva pelo leque de contributos de grande nível que reúne sob a forma de ensaios e sob a forma de testemunhos, que na sua maioria ensaios também são. Destaco entre os primeiros os de Pedro Eiras e Rita Novas Miranda, "A pedra na cabeça. Herberto Helder, René Descartes, uma questão de loucura" e "Uma escrita para ver", respectivamente, entre os segundos os de António Guerreiro, Maria Filomena Molder e Silvina Rodrigues Lopes, pelo simples motivo de serem aqueles que, leitor herbertiano de longa data, mais me tocaram.
                                                               
       Tenho para mim que a poesia é uma das expressões literárias mais difíceis de gostar pelas boas razões, e que ou somos tomados por ela, ocupados, saqueados, divididos, ou então nem sequer valerá grandemente a pena pensar nisso. E na poesia portuguesa dos últimos cem anos há grandes poetas em termos absolutos, de modo que ou se começa por eles ou se acaba por chegar a eles. Vou nomear os maiores, com os quais convivo desde muito novo: Fernando Pessoa (claro), Jorge de Sena, Sophia de Mello Breyner e Herberto Helder. Embora tenha memória precisa de quando os comecei a ler não o vou contar, porque são memórias pessoais, aqui irrelevantes. Mas de entre estes quatro destaco sem dúvida o último pelo torvelinho primitivo em que a sua criação poética, indomável, sempre se tem movido: na poesia, na prosa ("Os Passos em Volta" é o seu "Livro do Desassossego"), na tradução.
        Há em Herberto Helder a ideia do poema contínuo que se torna avassaladora e nos permite entrar na sua obra por qualquer livro, qualquer poema, e continuar um percurso apaixonante e apaixonado sem parar, sem fim. A sua própria biografia pessoal, muito diferente das de todos os outros, aponta para um entendimento da vida, da arte, da escrita e da poesia original e único. Mas terá sido o longo e persistente trabalho pessoal, em que a reflexão assume contornos filosóficos na persegição poética de uma origem, de uma experiência e de uma identidade susceptíveis de serem partilhadas pela experiência comum, que o terá levado ao ponto de figura máxima, inimitável e insubstituível no panorama da literatura e da poesia portuguesa. Se Pessoa foi o drama em gente, ele é o drama ingente, e pressupõe-no na sua fulgente modernidade.
         De uma excepcional exigência consigo próprio, com os caminhos que desvenda e percorre, Herberto Helder fascina-nos com os seus saberes primordiais e agarra-nos com  as suas verdades elementares laboriosamente descobertas, saberes e verdades que, sendo sempre pessoais, se transmitem de maneira poderosa e irrefutável aos leitores, que neles descobrem sempre alguma coisa de novo em que nunca ninguém antes dele tinha pensado daquela maneira, mesmo se as ligações culturais do poeta são múltiplas, como este último número desta revista ajuda a compreender. E os saberes e as verdades dele são sempre procurados no sensível, no visível - há na sua poesia uma presença recorrente do cinema e da imagem em movimento -, no visualizável, de modo que lê-lo ou relê-lo é sempre entrar numa experiência única e pujante, de uma energia humana que trespassa o mundo que descobre e faz ver ao mostrá-lo e fazê-lo sentir por palavras, pela palavra poética, como dele e nosso.
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          Com isto não pretendo mais que chamar a vossa atenção para Herberto Helder, um poeta vivo que seria muito estranho alguém desconhecer, embora também aqui compreenda que ele é daqueles casos que ou se ama, perdidamente, ou se rejeita, o que significa sempre uma separação de caminhos e de companhias. Chamar a atenção para ele e para o nº 17 da "Textos e Pretextos", enriquecido por uma Cronologia da responsabilidade de Ana Raquel Fernandes e Rute Beirante, uma Bibliografia seleccionada, activa e passiva, da responsabilidade de Margarida Gil dos Reis, e um poema inédito, autógrafo. É um bom guia de navegação para iniciados e não iniciados
          Ao Herberto, como ao Shakespeare e ao Pessoa, eu leio-os em voz alta pela noite dentro, sempre no original, com o que me dou muito bem e aconselho que façam com o que gostam.  Com música ou no silêncio da noite: "- e é tudo quanto se pode aprender até que a noite venha/e desfaça,/a noite amarga" (Herberto Helder). E aí no cinema ninguém o pode, os pode substituir, só o cinema como cinema, filme a filme e no seu todo, com ele, com eles pode ser comparado e dialogar.

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