Não
se parece com nada a primeira longa-metragem de ficção de Ignacio Oliva, "La rosa
de nadie"/"Nobody's Rose" (2011), um filme rodado em Cuenca, Espanha,
com argumento baseado em factos reais do
próprio realizador. E não se parecer com nada significa que, narrativa e
formalmente, é inútil dedicarmo-nos ao exercício cinéfilo de perguntar
quais as suas influências, embora ele tenha implícito um conhecimento
alargado da história do cinema, em especial do cinema moderno.
De
uma grande sobriedade e de uma grande beleza, este filme investe
narrativamente uma história comum embora humanamente radicada na memória
e na perda: a memória de Daniel de uma mulher, Manuela, que no passado o
levou ao hospital depois de assaltado e agredido, e que ele vai
procurar encontrar de novo, a perda de Manuela cujo filho, Jaime,
morreu. O encontro de ambos na casa dela, que tem escrita em duas
paredes a frase Sólo queda nada, vai ser, assim, o encontro de duas solidões, embora Daniel suspeite que ela poderá ser para ele uma verdade sem solução.
O final está muito bem construído sobre o que ele, cujo avô combateu na
Resistência e morreu num campo de concentração nazi, chama a particular "solução final" dela e fecha um círculo que tinha começado quando do seu primeiro encontro.
A beleza deste
filme está presente na sua construção visual, com planos de uma grande
elaboração formal em que, para além de deixar sempre espaço aos seus
actores, o realizador faz com que tudo o que está presente em cada
plano, do plano geral ao primeiro plano, signifique por si na expressão
fílmica, pela sua conformação cenográfica, cor, função, iluminação e
pela sua situação no espaço, que se rebate sobre a superfície, como
numa pintura - a profundidade de campo é mesmo negada em vários
momentos, acentuando esse efeito de superfície de forma inteligentemente
cinematográfica. Isto significa que "La rosa de nadie" tem uma
importante dimensão plástica, em objectos, formas e cores presentes em
cada plano, do primeiro plano ao plano afastado, em que as personagens
surgem do fundo e caminham na direcção da câmara, ou dela se afastam
sempre caminhando, ou antão caminham descrevendo um percurso horizontal
definido, como sucede com Jaime, o filho de Manuela.
Por sua vez, a música é muito bem utilizada, conferindo um tom próprio e
contemporâneo a um filme que se constrói narrativamente com o uso
frequente e justo da elipse e com o recurso a diversos e compreensíveis flashes do passado, formalmente com o aproveitamento sempre bem construído do fora de campo
e do ruído ambiente. Neste contexto, as personagens secundárias
tornam-se muito importantes, por darem as relações em gerações
diferentes da dos protagonistas, as gerações do pai e do filho dela, com
apontamentos muito curiosos sobre o pai dela e a sua jovem empregada
chinesa, o dono do bar e a sua mãe, personagens que identificamos e
acompanhamos no esboçar de outras, as suas histórias, de outras
narrativas.
Mas há outros apontamentos de artista neste filme, como a precisão do
enquadramento, o súbito e fugidio aparecer do espaço vazio - como dois
planos consecutivos de um céu azul, no primeiro dos quais ele é apenas
atravessado por uma nuvem branca, no segundo surge por cima do topo de
edifícios -, o desdobrar de uma cena em diversos planos, sempre
justificados por razões visuais além das próprias personagens, a
pressença do ruído ambiente. Os actores são surpreendentemente bons, com
destaque para Ana Otero, muito bonita e sempre muito expressiva, e
Carlos Leal, sempre muito seguro na defesa da sua personagem, ambos
actuando em retenção, o que contamina todo o filme.
Este não é, pois, um filme que caiba nos lugares-comuns da crítica de
cinema, sempre refractária ao que num filme está para além dos actores e
da narrativa, pois em "La Rosa de nadie" a imagem está, toda ela,
sempre a falar por si própria e atenta ao que de mais sensível e secreto pode estar presente, mas também escondido em cada personagem, o que aqui os actores compreendem muito bem e as elipses ajudam a perceber na própria dispersão e diversidade das personagens.
Uma primeira longa-metragem de ficção de um cineasta que anteriormente
se tinha apenas dedicado ao documentário, este é um filme que defende o
cinema com argumentos do próprio cinema - a fotografia é de Ángel Sáenz,
a música de Rámon Paus e o som, directo, de Oscar Barros, que à
semelhança dos actores se percebe terem tido uma participação criativa
activa e muito positiva. Ignacio Oliva vem demonstrar com este seu filme
de estreia na ficção que é possível fazer um bom filme com produção
independente e sem recurso aos lugares-comuns da produção comercial,
pelo que esta é uma estreia muito auspiciosa.
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