“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 9 de novembro de 2013

Duelo no mar

       Além dos melhores filmes de Jason Bourne interpretados por Matt Damon, Paul Greengrass é conhecido desde "Domingo Sangrento"/"Bloody Sunday" (2002) e "Voo 93"/"United 93" (2006) como realizador de filmes realistas sobre situações extremas. "Capitão Phillips"/"Captain Phillips" (2013) é o seu mais recente trabalho para cinema e nele o cineasta confirma tudo aquilo que já sabíamos dele de uma forma esmagadora e superior. 
                     930353 - Captain Phillips
           Baseando-se num episódio verídico de pirataria ocorrido em 2009 ao largo da costa da Somália, de que foi vítima um navio mercante americano, o filme acompanha essencialmente o seu comandante, o Capitão Phillips/Tom Hanks, e a sua tripulação, o que nos coloca desde o início do lado do protagonista, que acaba por ter de fazer frente aos piratas que o tomam como refém. Sem prejuízo desse sistemático ponto de vista estabelecido sobre o protagonista, o filme contém apontamentos sobre os piratas que permitem dar conta de uma mentalidade infantil e ingénua mas também do ponto de vista deles, habitantes de um país pobre e atrasado, onde a fome e a grande privação continuam a campear.
           A experiência vivida pela tripulação, em especial pelo Capitão Phillips, é extremamente violenta e como tal nos é devolvida por uma realização precisa e sem contrapontos exteriores que não sejam a progressiva aproximação de socorros. Depois de tomado como refém, não abandonamos o Capitão no interior do salva-vidas em que fica enclausurado com os seus captores, e a extraordinária interpretação de Tom Hanks, muito bem replicada por Barkhad Abdi como Muse, o chefe do grupo de captores, contribui decisivamente para a credibilidade das personagens e da situação e o sucesso o filme. 
                     tom hanks one
          Da parte de Paul Greengrass é tudo uma questão de adoptar sempre o ponto de vista justo e uma montagem rápida, acelerada, que dá conta de forma clara do perigo crescente. Sem qualquer concessão ao mau gosto nem à tranquilidade do espectador, o filme resulta seco e violento, como uma reportagem, de forma a, sem tréguas, transmitir ao espectador todo o dramatismo e toda a verdade do episódio. Embora saibamos desde o início como o filme vai acabar, pois guardamos memória da cobertura mediática do acontecimento narrado, enquanto ele progride como espectadores acompanhamos os esforços heróicos do protagonista para escapar e para sobreviver.
          Acompanhado por uma música que enfaticamente sublinha os momentos mais dramáticos, "Capitão Phillips" confirma plenamente o talento de Paul Greengrass e dá a Tom Hanks uma oportunidade rara de dar de novo conta do melhor do seu enorme talento como o mais contido, expressivo e carismático actor da sua geração no cinema americano. O puro horror paroxístico do final dá para apreciar plenamente uma coisa e a outra.
                    http://i.telegraph.co.uk/multimedia/archive/02706/Captain_Phillips_2706392b.jpg
          Demasiado preciso, demasiado eficaz, poderá pensar-se do realismo clínico deste filme, mas haverá que atender a que os tempos vão de feição para um uso propagandístico do cinema nos Estados Unidos, o que estabelece o programa para uma edificante visão da capacidade de intervenção armada americana em qualquer ponto do mundo, que funciona de forma manifesta. Se a desproporção de meios e a inferioridade em todos os aspectos de uma das partes chocam, mais claro se torna o dilema dum conflito de civilizações em que lógicas e condições de vida separadas por um abismo se confrontam, sem vitórias que não sejam casuísticas e sem fim à vista.
           Que quase tudo, salvo o início, decorra no mar dá ao filme um carácter desterritorializado, como se decorresse no vazio, o que a realização de Paul Greengrass, na sua precisão e concisão extremas, torna por vezes quase abstracto, sem de maneira nenhuma fazer esquecer que Tom Hanks representa uma personagem real numa situação real - o argumento de Billy Ray baseia-se no relato do episódio que narra pelo próprio Richard Phillips e Stephen Talty.

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