“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 24 de novembro de 2013

Luxo estéril

     O mais recente filme de Ridley Scott, "O Conselheiro"/"The Counselor" (2013), chamou a minha atenção por se basear em argumento de Cormac McCarthy, um dos grandes escritores americanos da actualidade, em cujo romance de 2005 "Este País Não É Para Velhos"/"No Country for Old Men" (edição portuguesa Relógio D'Água, Lisboa, 2007) os irmãos Coen se inspiraram para o seu filme homónimo de 2007 (ver "Encontro fatal", 20 de Janeiro de 2012). Com uma estrutura de filme negro, que lhe vem do argumento e que apreciei, o filme conta com grandes actores, que para ele justamente chamam também a atenção.
       O que me agrada no argumento de "O Conselheiro" é a total amoralidade da sua narrativa, de que dubitativamente haveria que ressalvar a personagem ambígua do Counselor/Michael Fassbender e a de Laura/Penélope Cruz. No mundo em que vivemos e no meio em que decorre, o do tráfico de droga da Colômbia para os Estados Unidos, esta narrativa de amoralidade e dúvida é muito pertinente.                    
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       Simplesmente, Ridley Scott não tem o talento dos Coen, pelo que, embora colando-se ao filme deles em termos espaciais, se limita a confeccionar uma embalagem de luxo para um conteúdo de que apenas apanha a estrutura, sem lhe explorar a trama nem a multiplicidade de pistas para além de um olhar mais atento à performance dos actores do que às personagens em si. Típico tique do cineasta, pelo qual não vem mal ao seu sucesso, define também os seus limites.
     Seguindo fielmente a narrativa, Ridley Scott não tem unhas, como cineasta, para dar espessura àquele material, como em filmes anteriores, correctos e bem feitos como "Gangster Americano"/"American Gangster" (2007), já demonstrara. Ele não é sequer capaz de entrar no espaço de cada personagem, limitando-se a olhá-las do exterior e a dar oportunidade aos actores de fazerem o seu trabalho. Pusilâmine, aparenta uma neutralidade que não esconde a indiferença nem disfarça a exterioridade. Vivaço, jogando na evidência mas sem o talento de Howard Hawks para a trabalhar no cinema, fica-se pelo exibicionismo cosmopolita e publicitário, ostensivo mais do que evidente mas pretensioso e estéril. Assim, nem um olhar crítico se vislumbra em termos fílmicos, todas as personagens tratadas exteriormente e em igualdade, deixando apenas (e já não é mau) a crítica implícita da narrativa. 
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    Meramente correcto e funcional, sem qualquer sobressalto ou inventiva formal como se pretendesse uma transparência clássica, o cineasta demite-se do seu papel num filme em que os actores - com relevo para Michael Fassbender na pele da personagem mais complexa, cuja ambiguidade é justamente castigada -, num elenco em que apenas Javier Bardem cabotina em excesso, se limitam a ilustrar as personagns e a funcionar como chamariz em termos de audiência. Como mero gestor de talentos, que será o que a sociedade do espectáculo e Hollywood dele exigem, Ridley Scott pode valer alguma coisa, mas neste momento aproveita-se mais desses talentos - entre os quais Cormac Mc Carthy, na tradição da colaboração de grandes escritores com o cinema americano - do que os beneficia a eles.  
       A fotografia de Steve McQueen (1930-1980) limita-se a tentar dar um passado reconhecível a "O Conselheiro", mas Sam Peckinpah não filmava assim. Louve-se a memória e a tentativa de recuperar um género importante do cinema americano. Mas na Série B dos anos 40 e 50 do Século XX, com meios muito escassos e sem vedetas gente como, por exemplo, Jacques Tourneur e Samuel Fuller fez muito melhor (sobre Ridley Scott, ver "Um mito das origens", 11 de Julho de 2012).

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