A edição deste ano do Doclisboa, 11º Festival Internacional de Cinema, teve uma programação excepcional, mostrando de forma clara a actual vitalidade do documentário cinematográfico. Entre as retrospectivas que organizou destaco a que dedicou ao realizador francês Alain Cavalier, que permitiu ficar a conhecer, com a presença do próprio cineasta, a sua obra, ficção e documentário.
Tendo já escrito aqui sobre ele ("A construção da memória", 14 de Setembro de 2013), a ele e aos seus filmes regresso agora, embora me tenha limitado a ver "La rencontre" (1996), que a vários títulos antecipa "Irène" (2009), que continuo a considerar o seu melhor filme de entre os que dele conheço. De facto, aqui ele filma um amor presente, filma de um amor presente aquilo que é possível filmar para memória futura, enquanto em "Irène" filmava, baseando-se em vestígios e memórias, um amor passado.
Ora ao filmar Françoise Widhoff, assumindo já todas as funções técnicas - além da realização, a captação da imagem e do som -, Alain Cavalier opta sistematicamente pelo plano de pormenor dos objectos que a rodearam durante o início da sua relação, do que resulta uma forte presença dos objectos materiais e dos lugares, deixando dela planos de pormenor de partes do rosto e do corpo, uma imagem fugaz deitada com o gato, uma imagem rápida avançando para a câmara, e de si próprio uma imagem com a câmara de filmar reflectida num vidro.
Deste modo, fragmentariamente o cineasta constrói a memória do amor a partir do momento em que ele acontece, deixando uma parte muito importante para as palavras, suas e dela, que comentam os objectos e as circunstâncias. Mas não se limita a isso, já que filma também os seus próprios pais, muito velhos e próximos da morte. Assim ele constrói a memória a partir do presente, a própria formação da memória, em vez de a procurar no passado e reconstruir a partir do passado, atingindo alguma coisa da intimidade do amor através de animais, frutos, flores, simples objectos, locais de passagem, mas também através da inquietação, da preocupação e da partilha de memórias pessoais de cada um. Mas filma igualmente a vista a partir da janela da sua casa num plano excepcional, captando a estreita passagem entre prédios em perspectiva, evocativamente comentado.
Habituados no cinema por filmes que pretendem, sempre pretenderam declinar o amor em todas as suas facetas e circunstâncias, podemos considerar grata surpresa um filme que vai tão longe quanto é possível ir para que de tudo o que marca um amor como sentimento e relação fique um rasto, um registo visível e audível, sem excessos líricos ou passionais. Ainda sem assumir visualmente o papel que veio a reservar-se em filmes posteriores, em "La rencontre" Alain Cavalier dá uma autêntica lição do melhor do cinema, mantendo Françoise e mantendo-se a si próprio a maior parte do tempo fora de campo, o que justamente os torna aos dois, especialmente a ela, tanto mais presentes através das partes do corpo mostradas - as mãos, em especial - e das palavras ditas.
A Cinemateca Portuguesa dedica a Alain Cavalier a conclusão duma retrospectiva completa durante este mês de Novembro, iniciativa muito louvável para a qual chamo vivamente a atenção. É uma oportunidade única de ficar a conhecer um cineasta excepcional, em actividade há mais de 50 anos e com uma importante inflexão técnica e estética no sentido da autobiografia e ao encontro da realidade, consistente com a sua obra anterior, nos últimos 25 anos.
Ora ao filmar Françoise Widhoff, assumindo já todas as funções técnicas - além da realização, a captação da imagem e do som -, Alain Cavalier opta sistematicamente pelo plano de pormenor dos objectos que a rodearam durante o início da sua relação, do que resulta uma forte presença dos objectos materiais e dos lugares, deixando dela planos de pormenor de partes do rosto e do corpo, uma imagem fugaz deitada com o gato, uma imagem rápida avançando para a câmara, e de si próprio uma imagem com a câmara de filmar reflectida num vidro.
Deste modo, fragmentariamente o cineasta constrói a memória do amor a partir do momento em que ele acontece, deixando uma parte muito importante para as palavras, suas e dela, que comentam os objectos e as circunstâncias. Mas não se limita a isso, já que filma também os seus próprios pais, muito velhos e próximos da morte. Assim ele constrói a memória a partir do presente, a própria formação da memória, em vez de a procurar no passado e reconstruir a partir do passado, atingindo alguma coisa da intimidade do amor através de animais, frutos, flores, simples objectos, locais de passagem, mas também através da inquietação, da preocupação e da partilha de memórias pessoais de cada um. Mas filma igualmente a vista a partir da janela da sua casa num plano excepcional, captando a estreita passagem entre prédios em perspectiva, evocativamente comentado.
Habituados no cinema por filmes que pretendem, sempre pretenderam declinar o amor em todas as suas facetas e circunstâncias, podemos considerar grata surpresa um filme que vai tão longe quanto é possível ir para que de tudo o que marca um amor como sentimento e relação fique um rasto, um registo visível e audível, sem excessos líricos ou passionais. Ainda sem assumir visualmente o papel que veio a reservar-se em filmes posteriores, em "La rencontre" Alain Cavalier dá uma autêntica lição do melhor do cinema, mantendo Françoise e mantendo-se a si próprio a maior parte do tempo fora de campo, o que justamente os torna aos dois, especialmente a ela, tanto mais presentes através das partes do corpo mostradas - as mãos, em especial - e das palavras ditas.
A Cinemateca Portuguesa dedica a Alain Cavalier a conclusão duma retrospectiva completa durante este mês de Novembro, iniciativa muito louvável para a qual chamo vivamente a atenção. É uma oportunidade única de ficar a conhecer um cineasta excepcional, em actividade há mais de 50 anos e com uma importante inflexão técnica e estética no sentido da autobiografia e ao encontro da realidade, consistente com a sua obra anterior, nos últimos 25 anos.
Sem comentários:
Enviar um comentário