“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Fácil

       Tenho apreço pelo cineasta Abdellatif Kechiche, de que já aqui dei conta (ver "Uma mulher", 26 de Janeiro de 2013), pelo que encarei com confiança o seu último filme, "A Vida de Adèle"/"La vie d'Adèle" (2013), tanto mais quanto recebeu este ano a Palma de Ouro no Festival de Cannes e acaba de receber o prestigiado prémio Louis Delluc. Com este ponto de partida, devo começar por dizer que o filme fica aquém das minhas expectativas.  
                    
         Perante uma banal história de amor, a de Adèle/Adèle Exarchopoulos, que acaba por motivo de ciúmes da parte de Emma/Léa Seydoux, a sua namorada, o cineasta, apesar de algumas referências pertinentes, guarda um ponto de vista e uma distância que lhe permitem filmá-las como simples voyeur e remete o desenvolvimento narrativo para o simples registo melodramático.
       Como bom cineasta, Kechiche devia saber que aqui há uma parte que ganha em ser mais sugerida e não tornada mero chamariz - embora o centro do filme esteja bem localizado de modo a desdobrar-se no jantar festivo que decorre no jardim, enquanto ao fundo passa um filme mudo. Mesmo as duas actrizes, que estão muito bem, mostram representar para a câmara nas cenas de intimidade entre Adèle e Emma, em que colocam brio e aplicação, como seria de esperar, e que, como tal, resultam bem.
                    
           As referências aos estudos e à formação de Adèle diluem-se, tornadas inconsequentes, e a vida que corre pelas duas jovens amantes abandona o seu lado de iniciação passando ao mero cumprimento de rotinas no desfazer de uma ligação. Ficando-se por referências superficiais e óbvias, sem qualquer outro elemento narrativo relevante, "A Vida de Adèle" perde o efeito que poderia ambicionar ter por absoluta falta da subtileza que, nas circunstâncias, era de rigor.
       Jogando no óbvio e no chamariz com duas boas actrizes que, compreensivelmente, se resguardam (o que, paradoxalmente, em vez de prejudicar, beneficia), o realizador perde em termos de cinema o que ganha em fama de "cineasta audacioso", o que terá impressionado aqueles que premiaram o filme. É sempre desagradável a decepção provocada por um filme de um cineasta que apreciamos, mas devo dizer que é o que me acontece com este último trabalho de Kechiche, que nem outros valores técnicos ou estilísticos resgatam.
                     Estreias da Semana «A Vida de Adèle: Capítulos 1 e 2»
        Com argumento, adaptação e diálogos do cineasta e Ghalia Lacroix, baseado numa banda-desenhada que não conheço, "Le blue est une couleur chaude", de Julie Maroh, "A Vida de Adèle" de Abdellatif Kechiche é um filme sulforoso e entediante que, depois das promessas dos seus filmes anteriores, fica aquém do que se poderia esperar. No seu melhor faz-me lembrar "Aos Nossos Amores"/"À nos amours", de Maurice Pialat (1983), e essa será, talvez, a melhor maneira de o abordar. Mas, aparentando ser um passo em frente do lado do seu tema, fica indubitavelmente a perder em confronto com "Mulholland Drive", de David Lynch (2001), que aí seria a referência mais óbvia.

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