Nascido na Malásia mas tendo feito a sua formação em Taiwan, onde tem trabalhado, Tsai Ming-Liang é um cineasta com provas dadas em filmes muito bons que captam de modo original o espírito do cinema e a sua memória. Tendo já feito um filme com referência a Paris e ao seu lugar no seu imaginário cinéfilo, "Et là-bas, quelle heure est-il?"/"Ni neibian jidian" (2001), à semelhança de outros afoitou-se a fazer o seu filme parisience, "Face"/"Visage" (2009), que é a sua penúltima longa-metragem.
Os filmes franceses ou com influência francesa de cineastas do Extremo Oriente interessam por serem reveladores de uma influência, de uma marca da história do cinema, que manifesta consciência do meio que utilizam e de si próprios. No caso de Tsai Ming-Liang, a referência forte é François Truffaut, portanto uma referência maior. Sem isso, "Face" poderia passar por uma simples brincadeira cinéfila, mas com Truffaut em fotografia, em imagens de filmes, em actores (Jean-Pierre Léaud, Fanny Ardent, Jeanne Moreau) as coisas assumem um carácter mais sério.
Efectivamente, sob uma aparência minimalista este filme constitui-se como uma homenagem cinéfila feita de modo sentido, na procura de uma origem, de uma relação para o próprio cineasta, que assim procura definir-se e definir o seu lugar num quadro mais alargado. Há alguma coisa de formalista na démarche de Tsai, mas a presença dos actores de Truffaut e as imagens de "Os quatrocentos Golpes"/"Les quatre cents coups" (1959), inteligentemente utilizadas, além da lista de grandes nomes da história do cinema mundial debitada em diálogo, remetem, mais do que para uma filiação, para a procura uma legitimação cinematográfica, o que se compreende.
Assim, Paris assume neste filme uma função de cenário fúnebre, em que o cemitério, o museu e a memória avultam, num contexto de jogos de espelhos em que a imagem devolvida por eles é reconhecível, surge de onde não se espera ou então procura-se anulá-la. Com a exacerbação do plano longo, fixo, há também como que uma homenagem cinéfila, que é também reiteração estética, que extravasa as figuras humanas para atingir uma actualidade esteticamente pregnante. Alguma coisa me faz pensar em "O Quarto Verde"/"La chambre verte" (1978), a obra-prima de Truffaut, como na construção de um pessoal "museu imaginário".
De resto, "Face" tem lassidão, falta de acção (está em causa a rodagem de um filme dentro do filme), bonitas e sugestivas imagens, diálogos precisos, como é hábito em Tsai Ming-Liang, e permite rever actores conhecidos mesmo se em pequenos papéis: Nathalie Baye, Mathieu Amalric, Laetitia Casta. Foi para mim especialmente interessante ver Jean-Pierre Léaud disforme e inexpressivo, por isso mesmo transparente, e verificar que o cineasta se mantém fiel a uma temática e a uma estética minimalista muito pessoal. Como jogo de espelhos cinéfilo estamos entendidos: os vivos são um pobre reflexo dos mortos.
A última longa-metragem de Tsai Ming Liang, "Stray Dogs"/"Jiao you" (2013), ganhou o Grande Prémio do Júri no Festival de Veneza deste ano e acaba de ganhar o Golden Horse, o mais prestigiado prémio chinês de cinema, para o melhor realizador. O que significa que a vida e a obra do cineasta continua da melhor maneira. Esperemos pelo filme.
A última longa-metragem de Tsai Ming Liang, "Stray Dogs"/"Jiao you" (2013), ganhou o Grande Prémio do Júri no Festival de Veneza deste ano e acaba de ganhar o Golden Horse, o mais prestigiado prémio chinês de cinema, para o melhor realizador. O que significa que a vida e a obra do cineasta continua da melhor maneira. Esperemos pelo filme.
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