Três anos depois de "J. Edgar" (ver "Controverso", de 17 de Março de 2013) Clint Eastwood apresenta agora "Jersey Boys" (2014), aparentemente um filme insignificante sobre um grupo de músicos dos anos 50, baseado num musical da Broadway. E digo insignificante porque, comparado com os seus outros filmes, esta espécie de musical serôdio parece carecer de dimensão. Mas digo aparentemente porque com um cineasta da dimensão dele deve estar-se precavido contra aparentes facilidades.
A maneira como vejo este "Jersey Boys" é como uma homenagem do cineasta ao cinema americano dos anos 50, quer pelo seu tema, quer pela sua forma, quer pelas citações cinematográficas e televisivas que envolve (há dois planos na escadaria do barco que citam expressamente Douglas Sirk), o que faz com que seja tudo menos um filme inocente. Trabalhando sobre argumento de Marshall Brickman e Rick Elice, Clint Eastwood não se dispensa de apresentar uma história americana exemplar, com cada um dos membros dos "The Four Seasons" inteiramente tipificados e com um meio circundante, musical e extra-musical, ele também típico e de época.
Com muitas "piscadelas de olho" para o interior do cinema americano, nomeadamente as suscitadas pela presença de Christopher Walken no elenco, este é um filme que se impõe, e impõe o seu realizador, pelo domínio total de todos os seus mecanismos, formais e narrativos. É, além disso, um filme que usa muito bem a fotografia insaturada (de Tom Stern) e a música omnipresente, terminando com um número musical dançado sobre o genérico de fim - um filme que na sua ingenuidade faz sentido na obra do cineasta. Mas tem de se reconhecer que ele aqui joga sem risco, como que para definir de forma mais clara o seu lugar na história do cinema, usando para o efeito alguma auto-complacência que se compreende.
Não me dispensarei, contudo, de dizer que em "Jersey Boys" Clint Eastwood pretende apresentar de si próprio uma imagem política e cinematograficamente correcta, o que, pese embora toda a admiração que o filme provoca, não deve impedir de identificar uma imagem conservadora da América, que o próprio filme suscita pela época em que decorre, longe de todas as suas polémicas passadas e presentes e até dos filmes anteriores do cineasta, o que resulta de, sendo um filme de época, como musical se pretender situar fora do tempo.
Mesmo assim, para cobrir todo o espectro dos géneros o cineasta fez o musical que formalmente faltava na sua carreira (onde contudo havia já "A Última Canção"/"Honkytonk Man", 1982, "Bird - Fim do Sonho"/"Bird", 1988, e o episódio "Piano Blues" para a série televisiva "The Blues", 2003, que revelavam o seu amor pela música) e dá uma lição de serenidade e de domínio formal e narrativo. Com votos de que arrisque mais, como fez em "A Troca"/"Changeling", um outro filme de época, e "Gran Torino" (2008), por exemplo, continuo evidentemente à espera do seu filme seguinte (sobre Clint Eastwood, ver também "Sabedoria", de 11 de Fevereiro de 2012).
Sem comentários:
Enviar um comentário