O novo filme de João Botelho, "Os Maias - Cenas da Vida Romântica" (2014) segundo o romance de Eça de Queirós, é um óptimo filme que faz perfeitamente sentido na obra do cineasta português, sobretudo depois de "Filme do Desassossego" (2010). Justamente depois deste e de "4" (ver "Elogio do sensível", de 30 de Maio de 2013) fazem inteiramente sentido os cenários do pintor João Queiroz, excelentes, que visualmente, com o ponto de vista, definem o próprio filme.
A adaptação literal do famoso romance de Eça justifica-se plenamente, já que preserva o seu ponto de partida e amplia-o com os meios próprios do cinema. Fiel a um estilo e a um entendimento pessoal do cinema, João Botelho faz os antecedentes da narrativa surgirem no início, a preto e branco, e a transição para a cor funciona plenamente.
Mas devido à adaptação, feita pelo próprio cineasta, as personagens têm vida própria, evoluem, e as diversas situações do filme, conhecidas de todos, surgem com grande frescura e novidade. Sublinho especialmente a cena fundamental em que, perante Carlos e Ega, Afonso da Maia confirma a origem de Maria Eduarda, em que o tempo pára por arte do realizador, do escritor e dos actores, como pára no romance original.
A concretização pictural dos cenários acompanha os cenários teatrais, o que leva "Os Maias" para um artificialismo que joga muito bem com o carácter realista do romance, assim respeitado, depurado e transformado de forma pessoal. No cast apenas considero discutível a opção por uma brasileira, Maria Flor, para Maria Eduarda, enquanto Graciano Dias como Carlos, Pedro Inês como João da Ega, João Perry como Afonso da Maia, Maria João Pinho e Adriano Luz como os Gouvarinhos são, com os restantes, inteiramente convincentes em interpretações superiores muito bem dirigidas, o que permite captar um tom de época por meios justos e justamente além do mero realismo, como apontamentos localizados no espaço e no tempo.
Mas há mais. A encantatória voz-off narrativa de Jorge Vaz de Carvalho, que ao ler o romance em ligação com a imagem junta tudo de uma maneira muito inteligente e apropriada em termos cinematográficos.Tal como existem as referências à pintura e à música da época, superiormente aproveitadas de modo a darem, elas também, o justo tom de época possível num filme, e que explicitam o trabalho do criador do filme.
Se puderem, não deixem de ver a versão longa, integral de "Os Maias", em que o filme surge em todo o seu esplendor cinematográfico pela mão segura e pela cabeça visionária de João Botelho, em todo o seu heterogéneo e perene sabor crítico: de crítica social, política e das mentalidades. Portugal esté na mesma, diz o cineasta, o que deve ser levado em consideração. Mas também sobre isso somos, como espectadores, convidados a tomar posição.
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