Considero que continua a ser muito bom sinal a estreia de documentários no circuito comercial português. Do grande documentarista português, de origem brasileira, da actualidade, Sérgio Tréfaut, acaba de estrear "Alentejo, Alentejo" (2014), um filme muito bom sobre o cante alentejano.
No filme surgem grupos corais masculinos e um feminino em plena actuação ou durante ensaios (no cemitério, dois homens e duas mulheres) com toda a força interior que o cante alentejano transmite a partir de vozes profundas e graves, próprias de um povo diferenciado e consciente de si próprio, do seu passado, da sua cultura e da sua condição. Além disso, esparsos surgem depoimentos pessoais, sobre o cante e sobre o Alentejo, do maior interesse e dados de seguida, sem cortes; sequências em escolas com gente miúda que fala sobre a família, os mais velhos e os emigrados; planos da terra, de aldeias, que metonimicamente (a parte pelo todo) falam do meio - de forma justa em breve lapso de tempo dão o contexto telúrico e social.
Mas o que sobretudo se destaca neste filme são o próprio cante e os próprios cantores, com especial atenção no final para aos cantores mais novos, que asseguram a continuidade da tradição. É que há alguma coisa de difícil e complexo neste cante apenas vocal que tem que ver com o próprio ser dos alentejanos, que através dele exprimem da melhor maneira a sua originalidade para quem os queira escutar.
E aqui faço questão de sublinhar que estamos, neste caso, perante verdadeira cultura popular, a cultura do povo, e não perante aquilo que os media por tal fazem passar mas que é cultura de massas. E fica muito bem ao cinema e a Sérgio Tréfaut abrir a cortina sobre uma prática cultural enraízada, que merece esta divulgação sem enfeites de modo a chegar-nos, em contexto, em toda a sua seca autenticidade.
Todo o cometário social e político dos alentejanos passa pelo seu cante, o que de modo muito satisfatório "Alentejo, Alentejo" capta e apresenta para todas as audiências - e recordo que o cineasta tem tido, nos seus documentários anteriores ("Lisboetas", 2004; "A Cidade dos Mortos", 2009) a arte de mostrar o menos visível e menos conhecido. Aqui é a dignidade do próprio povo alentejano que com o seu cante nos chega. Motivo suficiente para que o cante seja objecto do mesmo apreço e protecção que Palestrina.
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