“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Ainda não

    O novo e premiado filme do jovem prodígio canadiano Xavier Dolan, "Mamã"/"Mommy" (2014), volta a situar-se muito abaixo das expectativas criadas. Pretendendo rimar com a sua primeira longa-metragem, "J'ai tué ma mère" (2009), lida de facto com a mumificação da figura materna que parece obcecá-lo.
   Vamos por partes. Pretendendo-se baseado num caso real, o it boy canadiano trabalha especulativamente sobre os distúrbios (Attention Deficit Hyper Disorder) do filho de Diane Després/Anne Dorval, Steve/Antoine Olivier-Pilon, que lhe deviam merecer um outro respeito. Mas a ele o que lhe interessa é o que de espectacular possa retirar do seu tema, o que faz sem pudor, explorando os sentimentos dos envolvidos, nomeadamente o seu sofrimento.   
                    Mommy_2∏Shayne Laverdiere
     A cumplicidade afectiva entre Steve e a sua mãe está explorada do lado do comum melodrama da emoção e do espectáculo (do espectáculo da emoção) do cinema americano e a intromissão de Kyla/Suzanne Clément, a vizinha, é muito forçada, finalmente de escassa e previsível utilidade. Espertalhão, jogando no espectáculo Xavier Dolan utiliza os diferentes formatos do ecrã para surpreender e encantar os espectadores incautos que, a partir de uma boa recepção crítica, lhe têm dado e continuam a dar crédito. O artifício resulta mas como parte do espectáculo em que o filme transforma o drama.
     Decididamente não me interessa este tipo de espectáculo despudorado, que não me diz nada nem acrescenta nada ao seu tema ou à obra do cineasta a não ser a fixação materna. Apesar de o final, a partir do flash-forward imaginado de Diane, estar bem resolvido, o rapaz tem de sair dos seus limites narrativos e formais para dar verdadeira conta do autêntico talento cinematográfico que parece ter. Tal como é, apesar das suas múltiplas piscadelas de olho em todas as direcções "Mamã" é um filme maçador e entediante.
                     http://i.ytimg.com/vi/Q1MfXQ6ZpqY/maxresdefault.jpg
       Um dia, no futuro, olhando para trás talvez se perceba melhor o sentido dos filmes iniciais de Xavier Dolan. Por enquanto, quando as próprias figuras femininas, unidimensionais apesar de alguns lampejos conseguidos, são falhadas e oportunisticamente utilizadas, ainda não (sobre o cineasta ver "Um novo autor", de 17 de Agosto de 2013, e "Impasse", de 6 de Junho de 2014).

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