Baseada em novelas e personagens de Veronica Roth, a saga de ficção-científica distópica começou com "Divergente"/"Divergent", de Neil Burger (2014), que, atrasado como me costuma acontecer, só agora consegui ver, numa altura em que já se estreou o segundo filme, "Insurgente/"Insurgent" (2015), realizado por Robert Schwentke, e se prepara o terceiro, dividido em duas partes, com o mesmo realizador do anterior, "Convergente"/"Convergent".
Sabe-se como a ficção-científica foi, além da animação, o género cinematográfico mais beneficiado pela revolução digital no cinema, para o que já "2001: Odisseia no Espaço"/"2001: A Space Odyssey", de Stanley Kubrick (1968) apontava e "Blade Runner: Perigo Iminente"/"Blade Runner", de Ridley Scott (1982), além da saga "A Guerra das Estrelas"/"Star Wars", de George Lucas, confirmara. Sabe-se também como, em termos cinematográficos, a ideia de distopia é mais apelativa do que a de utopia.
Com argumento de Evan Daugherty e Vanessa Taylor, "Divergente" lança esta saga no cinema de forma inteiramente convincente, com a proposta de uma sociedade dividida em facções só a nível dos seus dirigentes, uma divisão relativamente à qual a protagonista, Tris/Shailene Woodley, porque inclassificável funciona como divergente. Apesar dos lugares comuns, como "apanhar o comboio" ou "atirar-se de cabeça", mas integrando-os bem, as ideias de retirar o livre-arbítrio para garantir obediência total e dos maiores medos de cada um na prova final de iniciação, que cada um tem de ultrapassar com base na própria facção a que pertence, a contraposição das alturas e das profundidades ou as tatuagens que contam uma história são muito bem exploradas.
Narrativamente paira sobre este "Divergente" a manipulação por manipuladores invisíveis, mas a credibilidade de um pós-humano passa pela permanência do ainda humano em Tris e em Four/Theo James. E esta é a parte fundamental, ainda que subliminar de um filme que se resolve entre grupos, facções diferentes, cada uma delas sujeita às suas próprias regras de comportamento: só passa à fase seguinte, se impõe e triunfa quem consegue, na multiplicidade instalada, permanecer humano, um ser humano reconhecível e reconhecente - condição necessária nem sempre suficiente.
Mas é nas interpretações notáveis de justeza - além dos mencionados Ashley Judd como Natalie, Jai Courtney como Eric, Zoë Kravitz como Christina, Kate Winslet como Jeanine nomeadamente - que assenta o sucesso deste filme, um sucesso de que a música de Junkie XL faz parte integrante. Muito importante também, decisivo mesmo, é o filme ter sido rodado em Chicago,
que funciona muito bem como cenárrio primário sobre o qual se abatem os
efeitos digitais, como Ridley Scott fizera em "Blade Runner: Perigo
Iminente" relativamente a Los Angeles.
Num momento em que se vive a nível planetário uma hipótese distópica, com fomes, guerras, terrorismo, a tragédia dos refugiados, catástrofes provocadas por mão humana, intotolerância, violência indiscriminada em expansão, é saudável e muito oportuna uma saga que se apresenta como ficção-científica e nos desafia nos nossos maiores pesadelos presentes: tudo pode ainda piorar. Aconselho sem restrições, pois tornou-se uma saga de referência no cinema de ficção-científica que, sob o rótulo de adolescente, é verdadeiramente para todas as idades. (Veronica Roth está publicada em português pela Porto Editora.)
Num momento em que se vive a nível planetário uma hipótese distópica, com fomes, guerras, terrorismo, a tragédia dos refugiados, catástrofes provocadas por mão humana, intotolerância, violência indiscriminada em expansão, é saudável e muito oportuna uma saga que se apresenta como ficção-científica e nos desafia nos nossos maiores pesadelos presentes: tudo pode ainda piorar. Aconselho sem restrições, pois tornou-se uma saga de referência no cinema de ficção-científica que, sob o rótulo de adolescente, é verdadeiramente para todas as idades. (Veronica Roth está publicada em português pela Porto Editora.)
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