“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 8 de agosto de 2015

O prisioneiro do deserto

     "Longe dos Homens"/"Loin des hommes", o primeiro filme do francês David Oelhoffen (2014) que nos chega, é um filme muito curioso e bem feito. Baseado no conto de Albert Camus "O Hópede", incluído em "O Exílio e o Reino", e noutros textos anteriores do autor, constitui-se como uma obra concentrada e de alcance superior ao do seu estrito texto visual e sonoro. 
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   Um professor primário, Daru/Vigo Mortensen, é encarregado de levar um prisioneiro, Mohamed/Reda Kateb, através do deserto até ao local em que será julgado e condenado à morte. Ao fim de 30 minutos passados em interiores, os dois homens enfrentam a pé o deserto e os seus perigos enquanto continuam a conversar. Um antigo amigo de Daru encontra-o e reconhece-o, homens que se rendiam são sumariamente passados pelas armas sinalizando conflitos passados e presentes.
    Depois de um episódico aparecimento de mulheres no filme por motivos explicados e com finalidade previsível no contexto, Daru manda Mohamed para outro destino sabendo daquele que lhe está destinado, e é aqui que reside a reflexão camusiana sobre a responsabilidade individual, que David Oelhoffen integralmente respeita. 
                     
     Muito seguro em termos cinematográficos, dando muito bem o quadro físico e geográfico em que a narrativa decorre, com fotografia de Guillaume Deffontaines, música discreta mas oportuna de Nick Cave e Warren Ellis e grandes interpretações de Mortensen e Kateb, "Longe dos Homens" afirma-se como um filme muito bom e justo num espaço ético hoje em dia pouco frequentado - e David Oelhoffen é também argumentista com a colaboração de Antoine Lacomblez.
      No final, Daru regressa à escola primária  onde ensina para a sua última aula. Diz-se que tudo se passa na Argélia em 1954, portanto antes da guerra e da independência, mas podia passar-se em qualquer outro lugar ou momento, incluindo o nosso, num filme que bordeja o western pelo cenário mas sobretudo pela ética, que afinal nele se completam.

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