“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

segunda-feira, 18 de julho de 2016

O regresso de um grande artista

       O mais recente e muito aguardado filme de Alexander Sokurov, "Francofonia" (2015), empreende sobre o Museu do Louvre, em Paris, um trabalho semelhante ao de "A Arca Russa"/"Russkyi kovcheg" (2002) sobre o Hermitage sem a pirueta técnica deste. O resultado não deixa de ser um novo filme excepcional deste grande cineasta russo.
                    Alexander Sokourov in his new film asks how the Louvre in Paris survived the war
         Porém, em vez de se alargar sobre a história e antes de o fazer, o filme adopta um centro e ponto de partida situado na vida do museu durante a Ocupação do território francês e de Paris logo no início da II Guerra Mundial. Assim é trazido para lugar de destaque o confronto entre o então director do Louvre, Jacques Jaujard/Louis-Do de Lencquesaing, e Franz Wolff-Metternich/Benjamin Utzerath, o comandante nazi encarregado de lidar em nome do invasor com a cultura e a arte do território ocupado.
      Com recurso a imagens de época, de arquivo, e a reconstituição, Alexander Sokurov consegue uma abordagem forte e original sobre a relação entre o poder ocupante e a arte, que não se dispensa de confrontar na história da França Marianne/Johanna Korthals Altes e Napoleão Bonaparte/Vincent Nemeth e vai ao ponto de ele próprio dialogar com as personagens do museu mas também com o comandante de um cargueiro que, no mar alto, transporta obras de arte.       
                    Aleksander Sokurov's 'Francofonia'
        Este último dispositivo estabelece a justa distância no filme com tudo o mais que ele mostra, transmitindo com o navio ameaçado a ameaça actual da salvaguarda da arte. Com a excelente fotografia de Bruno Delbonnel (o mesmo de "Fausto", 2011), a apresentação dos espaços e de obras de referência do Louvre, como a da cidade de Paris ou a dos palácios em que as peças do museu, à excepção das esculturas, foram recolhidas durante a Ocupação, assume um brio especial.
        A comparação com a situação da União Soviética e a do próprio Hermitage durante a II Guerra Mundial é inteiramente pertinente e justificada. Na sua abordagem pessoal e inteligente do museu e da arte, "Francofonia" confirma o seu autor como um dos mais importantes e originais cineastas contemporâneos (sobre Alexander Sokurov ver "Um grande artista", de 20 de Abril de 2013).
                    Francofonia_4
       Aproveito para chamar a atenção de todos para a nova galeria de pintura e escultura portuguesa no 3º Piso do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, bem como para a exposição "Obras em Reserva - O museu que não se vê", também patente no MNAA até ao dia 25 de Setembro próximo
         Sobre a relação entre arte e poder aconselho o recente e muito bom "O Ruído do Tempo", de Julian Barnes (Lisboa: Quetzal, 2016).

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