O melhor da literatura portuguesa está de parabéns com o lançamento de estudos de referência sobre Luís de Camões e Fernando Pessoa, nada menos que os dois melhores poetas portugueses de sempre, o que nem sequer considero discutível.
No final do ano passado saiu um novo livro de José Gil sobre o segundo, "Cansaço, Tédio, Desassossego" (Lisboa, Relógio D'Água, 2013), em que o conhecido filósofo e escritor procede a uma nova aproximação do poeta dos heterónimos exactamente a propósito desta questão: a heteronímia pessoana. Profundo conhecedor da obra de Fernando Pessoa, sobre o qual este é o seu quarto livro, o autor utiliza o instrumental teórico de Gilles Deleuze, que fez seu há muito tempo (1), para uma reflexão erudita e muito profícua, que marcará, por certo, um novo ponto de referência sobre a magna questão, pessoalmente pessoana e paradoxal. Que identifique Alberto Caeiro na sua origem é muito importante e está muito bem argumentado.
Também no final de 2013 surgiu a nova edição, revista e aumentada, de "Camões e a Viagem Iniciática", de Helder Macedo (Lisboa, Abysmo, 2013). O autor, grande escritor em ficção, poesia e ensaio, é um grande especialista em literatura portuguesa (2) e em estudos camonianos - a primeira edição deste livro data de 1980, na Moraes Editores, e estava há muito esgotada. Para além de permitir o contacto com os estudos que constavam da primeira edição, sobre a Épica e a Lírica, agora revistos, o novo contributo que esta nova edição traz aos estudos camonianos diz respeito ao Testemunho das Cartas que, de modo muito clarividente demonstra a modernidade não só da escrita mas da vida do poeta, e que essa vida também interessa.
Frequentador assíduo de ambos os poetas, Camões e Pessoa, e de ambos estes autores, José Gil e Helder Macedo, posso deste modo verificar que os meus gostos são partilhados e que, se calhar, há mais gente além de mim interessada no melhor da poesia portuguesa, que não significa que tenha sido o melhor da vida para os dois poetas - pelo contrário. Se alguma coisa de essencial existe na identidade portuguesa ela passa por estes dois grandes poetas - e por mais gente, certamente, mesmo na poesia e no cinema. Por mim, encontro no poeta dos heterónimos o desassossego e a melancolia (3), enquanto apenas no poeta quinhentista encontro a regeneração e o alerta que me mantém vigilante.
Portanto, back to the basics, voltem a ler Fernando Pessoa e os seus heterónimos, Luís de Camões em todos os tipos de poesia que praticou. Isso é o essencial. Para melhor os entenderem já sabem que podem a partir de agora contar com mais estes dois estudos profundamente iluminadores, que nos dizem quem eles foram verdadeiramente e como criaram. Para melhor compreedermos aquilo que nos deixaram. Escrito. E para melhor nos compreendermos a nós próprios.
Nota
(1) Cf. especialmente "O Imperceptível Devir da Imanência - Sobre a Filosofia de Deleuze", (Lisboa, Relógio D'Água, 2008). Mas cf. também "Linhas de Estilo - Estética e Ontologia em Gilles Deleuze", de Ana Godinho, com Prefácio de José Gil (Lisboa, Relógio d'Água, 2007).
(2) De que destaco "Nós, uma leitura de Cesário Verde" (Lisboa, Plátano Editora,1975, 1978; Lisboa, Editorial Presença, 1999 para a 4ª edição), "Do significado Oculto da Menina e Moça" (Lisboa, Moraes Editores,1977; Lisboa, Guimarães Editores, 1999 para a 2ª edição) e "Viagens do Olhar: Retrospecção, Visão e Profecia no Renascimento Português", co-Fernando Gil (Porto, Campo das Letras, 1998).
(3) Chamo a atenção para "Anatomia da Melancolia", do inglês Robert Burton (1577-1640), que recolhe fragmentos de uma obra de referência que teve a sua primeira publicação em 1621, há quase 400 anos (Lisboa, Quetzal, 2014). Com tradução exemplar de Salvato Telles de Menezes, é mais uma iniciativa louvável da editora portuguesa de Claudio Magris, que me faz lembrar o "Leal Conselheiro" de Dom Duarte, membro da ínclita geração filha de uma grande mãe inglesa, Dona Filipa de Lencastre, e segundo rei da segunda dinastia portuguesa, fundada por seu pai, Dom João I (Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999).
Nota
(1) Cf. especialmente "O Imperceptível Devir da Imanência - Sobre a Filosofia de Deleuze", (Lisboa, Relógio D'Água, 2008). Mas cf. também "Linhas de Estilo - Estética e Ontologia em Gilles Deleuze", de Ana Godinho, com Prefácio de José Gil (Lisboa, Relógio d'Água, 2007).
(2) De que destaco "Nós, uma leitura de Cesário Verde" (Lisboa, Plátano Editora,1975, 1978; Lisboa, Editorial Presença, 1999 para a 4ª edição), "Do significado Oculto da Menina e Moça" (Lisboa, Moraes Editores,1977; Lisboa, Guimarães Editores, 1999 para a 2ª edição) e "Viagens do Olhar: Retrospecção, Visão e Profecia no Renascimento Português", co-Fernando Gil (Porto, Campo das Letras, 1998).
(3) Chamo a atenção para "Anatomia da Melancolia", do inglês Robert Burton (1577-1640), que recolhe fragmentos de uma obra de referência que teve a sua primeira publicação em 1621, há quase 400 anos (Lisboa, Quetzal, 2014). Com tradução exemplar de Salvato Telles de Menezes, é mais uma iniciativa louvável da editora portuguesa de Claudio Magris, que me faz lembrar o "Leal Conselheiro" de Dom Duarte, membro da ínclita geração filha de uma grande mãe inglesa, Dona Filipa de Lencastre, e segundo rei da segunda dinastia portuguesa, fundada por seu pai, Dom João I (Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999).
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