Passam agora 100 anos sobre o início da actividade de
Charles Chaplin no cinema. Por ele ter sido um dos nomes mais importantes de
toda a história do cinema, aqui recordo mais alguns dos traços memoráveis
que o tornaram perene (ver "Génio de Chaplin", 7 de Fevereiro de 2014).
Desde os seus inícios, Charlot foi
uma personagem tímida mas atrevida, que, sempre interpretada por ele, o seu criador,
quando em situação de inferioridade reagia de forma inesperada, quando em
situação de superioridade dessa mesma situação abusava, como era suposto
acontecer, quando colocada em situação de perda reagia emocionado, quando
enamorado ousava, quando batido revoltava-se... ou rendia-se. Embora sempre em termos muito expressivos, tudo feito na maior
inocência e simplicidade.
De uma simplicidade ingénua, Charlot
não era, contudo, pueril, antes elaborava o seu comportamento e a sua resposta
como qualquer um o poderia fazer, mas indo sempre um pouco mais longe do que esperado. E nesse pequeno excesso, em que residia a sua originalidade, dava forma e
voz ao inconsciente, que desconhecemos, e ao subconsciente, que não dominamos - nem permitimos que se expressem a não ser involuntariamente, quando por si próprios se impõem. Se pode dizer-se
que ele foi cada um de nós é precisamente por causa desse excesso que, sendo devido, surgia como ousadia pouco habitual.
Por causa dele, desse pequeno excesso, suscitava reacções
também elas inesperadas, embora muitas vezes previsíveis, com as quais tinha que se haver. Na dinâmica daí
resultante, em que intervinha o imprevisto calculado, suscitava o gag cómico no seu desenvolvimento lógico, embora também ele, e até sobretudo ele inesperado, e fazia proliferar os excessos, o que gerava o equilíbrio fundamental de cada um dos seus
filmes. Ele não era nem melhor nem pior do que nós somos, limitava-se apenas a
fazer o que geralmente não fazemos, utilizando o que recalcamos ou calamos por
timidez, receio das conveniências ou hábito social que em nós atrofiam forças e
energias que não nos atrevemos a utilizar mas que, quando despertas ou não mutiladas, falam por nós.
Vagabundo, Charlot não tinha
destino, não tinha horizonte, limitava-se a caminhar, embora por vezes
acompanhado, rumo ao infinito, no seu típico andar desajeitado que, juntamente
com o vestuário, a bengala e o bigode, jogava bem com o seu comportamento, fazia
parte da sua personagem, que também exprimia: sempre em equilíbrio precário,
embora com um centro de gravidade bem definido que o fazia equilibrar-se ou
recuperar o equilíbrio em todas as situações.
E note-se que o auge da arte de Chaplin se situou no cinema mudo, até "Luzes da Cidade"/"City Lights" (1931), o que se explica pelo carácter essencialmente físico, corporal dos seus filmes e dos respectivos processos buslescos, essencialmente visuais, facto que o torna um dos grandes fundadores do cinema, da sua linguagem e da sua arte em termos absolutos.
A partir de "Luzes da Cidade", adoptados o melodrama e o som Chaplin tornou-se mais sentimental mas também mais directamente crítico, e o excesso sentimetal decorreu, ele também, de um pequeno excesso (a cega naquele filme) tal como a crítica decorreu de um pequeno excesso expressivo, o que fazia as personagens e os filmes falarem por si próprios, com Charlot ou já sem ele, embora conservando as suas marcas e os seus traços. Mas com o som modificou-se a pura expressão física que ele tinha nos seus filmes mudos, embora a música, sempre composta por Chaplin, e os diálogos, sempre seus, touxessem também uma nova expressividade aos filmes - da sociedade mecanizada, maquinizada e indiferente de "Tempos Modernos"/"Modern Times" (1936) até ao discurso final de "O Ditador/"The Great Dictator" (1940), às digressões produtivas de "Monsieur Verdoux" (1947), ao momento final de "Luzes da Ribalta"/"Limelight" (1953), ao regresso triunfal de "Um Rei em Nova Iorque"/"A King in New York" (1957) e ao pequeno momento de génio, justamente sobre o equilíbrio físico e como tentar mantê-lo, de "A Condessa de Hong-Kong"/The Countess from Hong-Kong" (1967).
Por tudo isto Charles Chaplin, que foi a criatura que criou e os filmes que fez, em cuja criação cinematográfica avulta, especialmente na figura de Charlot, o pequeno excesso que faz transvazar e esclarece como poética própria, foi nas suas obras satíricas e críticas, e por causa delas, não só a figura mais importante do cinema como uma das personalidades mais importantes de todo o Século XX, em nome do qual, mesmo em filmes, em diversas situações muito difíceis falou. Ele foi, em suma, alguém cuja obra urge conhecer e divulgar, sobretudo na presente efeméride.
A partir de "Luzes da Cidade", adoptados o melodrama e o som Chaplin tornou-se mais sentimental mas também mais directamente crítico, e o excesso sentimetal decorreu, ele também, de um pequeno excesso (a cega naquele filme) tal como a crítica decorreu de um pequeno excesso expressivo, o que fazia as personagens e os filmes falarem por si próprios, com Charlot ou já sem ele, embora conservando as suas marcas e os seus traços. Mas com o som modificou-se a pura expressão física que ele tinha nos seus filmes mudos, embora a música, sempre composta por Chaplin, e os diálogos, sempre seus, touxessem também uma nova expressividade aos filmes - da sociedade mecanizada, maquinizada e indiferente de "Tempos Modernos"/"Modern Times" (1936) até ao discurso final de "O Ditador/"The Great Dictator" (1940), às digressões produtivas de "Monsieur Verdoux" (1947), ao momento final de "Luzes da Ribalta"/"Limelight" (1953), ao regresso triunfal de "Um Rei em Nova Iorque"/"A King in New York" (1957) e ao pequeno momento de génio, justamente sobre o equilíbrio físico e como tentar mantê-lo, de "A Condessa de Hong-Kong"/The Countess from Hong-Kong" (1967).
Por tudo isto Charles Chaplin, que foi a criatura que criou e os filmes que fez, em cuja criação cinematográfica avulta, especialmente na figura de Charlot, o pequeno excesso que faz transvazar e esclarece como poética própria, foi nas suas obras satíricas e críticas, e por causa delas, não só a figura mais importante do cinema como uma das personalidades mais importantes de todo o Século XX, em nome do qual, mesmo em filmes, em diversas situações muito difíceis falou. Ele foi, em suma, alguém cuja obra urge conhecer e divulgar, sobretudo na presente efeméride.
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