Só agora consegui ver "A Princesa de Montpensier"/"La Princesse de Montpensier", de Bertrand Tavernier (2010), que significa mais um passo muito seguro e apreciável numa obra que se conta entre as mais importantes do cinema francês dos últimos 40 anos e que alimentou a sua lenda.
Tavernier começou no cinema em 1964, na longa-metragem em 1974 sob a égide de Georges Simenon com "O Relojoeiro"/"L'horloger de Saint-Paul", e a sua obra ganhou um novo fôlego com o documentário "Mississipi Blues", co-realizado com Robert Parrish (1983), "Um Domingo no Campo"/"Un dimanche à la campagne" (1984) e "À Volta da Meia-Noite"/"Round Midnight" (1986). Grande conhecedor e apreciador do cinema americano, que estudou apaixonadamente e sobre o qual escreveu extensivamente, ele é tudo menos um ingénuo no cinema, embora nunca tenha tido nada que ver com a "nouvelle vague" francesa, em que o cineasta de que se poderia considerar inicialmente mais próximo era Claude Chabrol.
Partindo de uma novela de Madame de La Fayette, em cujo "La Pricesse de Clèves" Manoel de Oliveira se inspirou para "A Carta"/"La lettre" (1999), ele situa este seu filme no século XVI, na época do conflito entre católicos e huguenotes, sob o reinado de Carlos IX, uma época de grande ressonância cinematográfica pelo menos desde "Intolerância"/"Intolerance", de David W. Griffith (1916), e ascende ao seu melhor nível graças a um argumento de que é co-autor com Jean Cosmos e François-Olivier Rousseau mas sobretudo graças a uma construção cinematográfica que, naquela relação conflituosa que tem a Princesa Marie de Montpensier/Mélanie Thierry como centro, sistematicamente deixa fora do plano e da sequência, e portanto fora de campo, alguém que a essa mesma relação multipolar é essencial.
François de Chabannes/Lambert Wilson é a personagem que nos introduz no filme e quem, embora também nele envolvido, relativamente àquele conflito permite alguma distância, ele que foi o mestre de armas do Príncipe Philippe de Montpensier/Grégoire Leprince-Ringuet e se torna o mestre de saber da Princesa, que com ele foi forçada a casar. De seu mestre, mantendo a distância conveniente torna-se seu protector, e assim assume com ela uma conivência que o vai levar a permitir-lhe encontrar-se com Henri de Guise/Gaspard Ulliel, o seu declarado apaixonado desde muito cedo, à revelia do marido.
A época, incluindo as batalhas, está muito bem reconstituída, o que, tratando-se de um filme histórico, é importante, mas sobretudo o cineasta tem uma mise en scène clássica admirável, cujo equilíbrio faz o filme passar por momentos de extraordinária inspiração visual sem neles se deter, deixando-nos abismados perante o seu domínio formal. Sem qualquer tipo de tique moderno ou modernista, embora integrando figuras modernas do cinema, ele assume de passagem referências clássicas, nomeadamente do cinema americano, sem o exibir como tal, incidentalmente e como parte de um todo harmónico, que como tal se apresenta em si mesmo e em cada uma das suas partes.
À maneira de Jean Renoir, do que não podia deixar de estar consciente, Bertrand Tavernier faz-nos compreender que naquele conflito cada um tem as suas próprias razões, e é isso que é trágico, pelo que ousarei dizer que este filme, com os seus palácios, as suas caçadas longínquas e o seu herói-testemunha que morre no fim, é a sua "A Regra do Jogo"/"La régle du jeu" (1939). O que significa que a história do cinema francês é a mesma para todos.
Com música de Philippe Sarde, direcção de fotografia de Bruno de Keyzer e actores superlativos, "A Princesa de Montpensier" é um filme perfeito, extremamente actual, que talvez não tenha suscitado a atenção que merece o seu assumido e superior classicismo, um filme que deixa transparecer, de forma clara, o carácter emotivo de todas as suas personagens e de todo o seu conflito, com o qual o seu autor confirma o seu lugar como lenda do cinema francês, em cuja obra este filme rima com "Vamos a isto que é Festa"/"Que la fête commence..." (1975).
Com música de Philippe Sarde, direcção de fotografia de Bruno de Keyzer e actores superlativos, "A Princesa de Montpensier" é um filme perfeito, extremamente actual, que talvez não tenha suscitado a atenção que merece o seu assumido e superior classicismo, um filme que deixa transparecer, de forma clara, o carácter emotivo de todas as suas personagens e de todo o seu conflito, com o qual o seu autor confirma o seu lugar como lenda do cinema francês, em cuja obra este filme rima com "Vamos a isto que é Festa"/"Que la fête commence..." (1975).
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