“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sábado, 12 de setembro de 2015

Uma ficção australiana

     Foi desta maneira seca que o Arte apresentou ontem "Mes garçons sont de retour"/"The Boys Are Back", de Scott Hicks (2009), um melodrama exemplar baseado em factos reais. Sobretudo conhecido por "Simplesmente Genial"/"Shine" (1996) e "A Neve Caindo Sobre os Cedros"/"Snow Falling on Cedars" (1999), o cineasta desenvolve neste filme mais recente um trabalho dramático e cinematográfico muito bom, que volta a chamar a atenção para o seu nome pelas melhores razões.
                    
       De facto, com uma narrativa dilatada no tempo baseada na relação entre um pai, o jornalista desportivo Joe Warr/Clive Owen, e os seus filhos depois da morte da mãe da sua filha mais nova, Katy/Laura Fraser, o filme tem um desenvolvimento dramático sereno, em que avultam o aparecimento recorrente da mãe morta e a relação difícil de Joe com o filho mais velho, de uma mãe diferente, Artie/Nicholas McAnulty, o que uma montagem tensa, baseada em planos curtos, por vezes no limite do vídeo-clip, contraria, instaurando um novo dramatismo onde ele parece quase afastado.
     Além disso, ao tratar de problemas de famílias modernas, transversais (e neste caso monoparental), Scott Hicks faz, em termos de realização cinematográfica, o "cerco" ao seu actor principal, Clive Owen, que aqui mostra todo o seu talento com sobriedade física e expressividade fisionómica, mostrando ser um actor perfeitamente à altura dos papéis mais exigentes.
                     https://blackboxblue.files.wordpress.com/2010/09/the-boys-are-back-16.jpg
        Com o desporto australiano (natação, ténis) muito bem incluído na televisão, na sombra física da presença fantomática de Katy paira o fantasma de "Rebecca", de Daphne Du Maurier e Alfred Hitchcock (1940), tanto mais significativo quanto no final, depois de uma separação rápida entre pai e filho e uma vez recuperado este em duas cenas muito bem encenadas, ela aconselha a Joe que compre um descapotável, com o qual ele desaparece no final, acompanhado pelos filhos, no flanco da montanha - como num filme de Abbas Kiarostami que segue princípios técnicos e estéticos opostos aos deste, embora trate no fundo de questões semelhantes.
         Não vi na estreia - chamou-se em português "Só Eles" -, vi agora e gostei, eu que, sempre nos antípodas de tudo isto, gosto do cinema australiano (ver "Um regresso significativo", de 18 de Novembro de 2012) e da televisão australiana (ver "A Austrália, evidentemente", de 29 de Setembro de 2013) e não aprecio em especial o melodrama como género cinematográfico.

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