“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 6 de dezembro de 2015

Bergman outra vez

   O Arte passou na passada semana um filme completamente inédito, "Une histoire d'âme", de Bénédicte Acolas (2014), que adapta um quase monólogo de Ingmar Bergman datado de 1972 (1), nunca por ele levado ao cinema. Com Sophie Marceau a interpretar a única personagem, Viktoria, uma mulher de 40 e poucos anos sensual e bela, somos arrastados para o universo interior dela pelas suas próprias palavras, as únicas que o filme nos dá.
                      Foto Sophie Marceau         
     Da memória ao delírio, do real ao imaginado, do desejo ao sofrimento, as metamorfoses de Viktoria são muito justamente dadas pela actriz que a realização de Acolas, aqui no seu primeiro filme, acompanha muito bem. Falta à actriz francesa o pico especial das actrizes suecas, mas aceitando-se o filme tal como ele é todo o universo atribulado de Ingmar Bergman se transmuta e nos fascina de novo. 
      O grande cineasta sueco sempre precisou das mulheres para ver bem, para ver melhor, e este filme mostra-o de novo com a personagem a dirigir-se a interlocutores imaginários com cada um dos quais as suas palavras mudam. No regozijo como na queda, no abandono como na sua superação, a Viktoria de Sophie Marceau é uma personagem que se desnuda diante da câmara até ao mais recôndito do seu ser, corpo, alma e cérebro convocados, sem sair dos interiores que se vão transformando eles também enquanto ela se desmultiplica.                                         
                     
      Feito para a televisão por quem já o tinha encenado no teatro e agora o adapta a partir de uma nova tradução sua, "Une histoire d'âme" é um filme de enorme, pungente beleza dramática e intransigente verdade, um mergulho na mente e na alma de uma mulher que não desiste de viver. Se faz lembrar alguma coisa é Anna Magnani em "Uma Voz Humana"/"Una voce umana", baseado na peça "La voix humaine" de Jean Cocteau, no filme "O Amor"/"L'amore", de Roberto Rossellini (1948), que Sophia Loren terá refeito o ano passado para Edoardo Ponti numa curta que nunca verei (Sobre Ingmar Bargman, ver "Eles, os modernos", de 22 de Janeiro de 2012).

      Nota
      (1) Cf. "Une affaire d'âme", de Ingmar Bergman (Paris: Cahiers du Ciinéma, 2002 para a edição francesa, págs. 139-172).

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