“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Sem salvação

      Feito no mesmo ano de "Pasolini", "Bem-Vindo a Nova Iorque"/"Wellcome to New York", de Abel Ferrara (2014), que não teve estreia comercial em sala em Portugal, é um filme melhor do que aquilo que se poderia recear do seu assunto. Baseado embora no caso que envolveu Dominique Strauss-Kahn naquela cidade antes das últimas eleições presidenciais francesas, o argumento do realizador e Christ Zois explora muito bem os cheios e vazios do caso, seguindo de início a fim o protagonista, Devereaux/Gérard Depardieu.
                   Welcome to New York
     Exemplar na sua construção dramática, o filme vai numa primeira parte até aos factos de que Devereaux é acusado, numa segunda parte segue a audiência judicial e os procedimentos policiais para numa terceira parte seguir o protagonista devolvido ao seu meio e aos que lhe são próximos. A distância e a frieza de tom do filme permite um estudo atento e pormenorizado do comportamento e do pensamento do protagonista, que se vem a revelar na parte final no diálogo com a mulher, Simone/Jacqueline Bisset, e até especialmente em monólogo.
     Imprimindo um carácter ambicioso e grosseiro até à violação a Devereaux, Ferrara e Depardieu traçam dele um retrato justo e preciso, embora eventualmente especulativo, que é também um retrato da justiça americana, que se intimida quando tem que lidar com os mais poderosos, protegidos por uma cortina de pseudo-imunidade e muito dinheiro.
                  
  Sem me escandalizar minimamente, mas também sem me surpreender que tenha escandalizado em França, "Bem-Vindo a Nova Iorque" de Abel Ferrara não assume a acusação do protagonista para além dos factos e também não o defende a não ser ao permitir-lhe explicar-se a si próprio: segundo ele, ninguém pode salvar ninguém porque ninguém quer ser salvo. E sem emenda continua.
     Mostrando não ter receio de enfrentar o mais difícil e fazendo-o com independência de espírito, com bom trabalho técnico e bons actores (a declaração inicial de Gérard Depardieu é importante e cria distância) Ferrara inicia aqui um díptico político a que não se deve permanecer indiferente (sobre o cineasta ver "O sabor do fim", de 19 de Agosto de 2012, e "O último dia", de 11 de Janeiro de 2015).   

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