Feito no mesmo ano de "Pasolini", "Bem-Vindo a Nova Iorque"/"Wellcome to New York", de Abel Ferrara (2014), que não teve estreia comercial em sala em Portugal, é um filme melhor do que aquilo que se poderia recear do seu assunto. Baseado embora no caso que envolveu Dominique Strauss-Kahn naquela cidade antes das últimas eleições presidenciais francesas, o argumento do realizador e Christ Zois explora muito bem os cheios e vazios do caso, seguindo de início a fim o protagonista, Devereaux/Gérard Depardieu.
Exemplar na sua construção dramática, o filme vai numa primeira parte até aos factos de que Devereaux é acusado, numa segunda parte segue a audiência judicial e os procedimentos policiais para numa terceira parte seguir o protagonista devolvido ao seu meio e aos que lhe são próximos. A distância e a frieza de tom do filme permite um estudo atento e pormenorizado do comportamento e do pensamento do protagonista, que se vem a revelar na parte final no diálogo com a mulher, Simone/Jacqueline Bisset, e até especialmente em monólogo.
Imprimindo um carácter ambicioso e grosseiro até à violação a Devereaux, Ferrara e Depardieu traçam dele um retrato justo e preciso, embora eventualmente especulativo, que é também um retrato da justiça americana, que se intimida quando tem que lidar com os mais poderosos, protegidos por uma cortina de pseudo-imunidade e muito dinheiro.
Sem me escandalizar minimamente, mas também sem me surpreender que tenha escandalizado em França, "Bem-Vindo a Nova Iorque" de Abel Ferrara não assume a acusação do protagonista para além dos factos e também não o defende a não ser ao permitir-lhe explicar-se a si próprio: segundo ele, ninguém pode salvar ninguém porque ninguém quer ser salvo. E sem emenda continua.
Mostrando não ter receio de enfrentar o mais difícil e fazendo-o com independência de espírito, com bom trabalho técnico e bons actores (a declaração inicial de Gérard Depardieu é importante e cria distância) Ferrara inicia aqui um díptico político a que não se deve permanecer indiferente (sobre o cineasta ver "O sabor do fim", de 19 de Agosto de 2012, e "O último dia", de 11 de Janeiro de 2015).
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