“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Hitchcock outra vez

    O Arte retransmitiu hoje "Hitchcock/Truffaut", de Kent Jones (2015), sobre o célebre livro "Le cinéma selon Hitchcock" (Paris: Robert Laffont, 1966), em que o então ainda jovem cineasta francês, com a colaboração de Helen Scott, conversa longamente com o grande e famoso mestre do cinema. Um livro que marcou uma época.
    Graças à recuperação de trechos do diálogo e de trechos de filmes do entrevistado, com comentários pessoais como esclarecimentos de alguns dos grandes nomes do cinema actual - Martin Scorsese, Wes Anderson, David Fincher, Olivier Assayas, Peter Bogdanovich, Arnaud Desplechin, James Gray, Kiyoshi Kurosawa, Richard Linklater e Paul Schrader  -, este filme escrito por Kent Jones e Serge Toubiana, montado por Rachel Reichman e com a voz de Mahieu Amalric, constitui um ensaio exuberante, explicativo e demonstrativo, sobre um dos maiores cineastas da história do cinema. 
                                    Hitchcock/Truffaut Documentary
     A arte de Alfred Hitchcock resultou de ele se ter iniciado no cinema no tempo do mudo, de que preservou o segredo  depois do advento do sonoro no que ele considerava o "cinema puro". Ver os seus principais filmes detalhadamente analisados por novos e destacados cineastas que conhecem bem a sua obra e o admiram constitui simultaneamente uma homenagem e uma lição. Reter da sua conversa inicial com Truffaut, que se prolongou durante quatro anos, fragmentos sonoros e momentos visuais confere a este filme de Kent Jones um carácter de documento de época que ele também tem.
    As análises nomeadamente da culpa, da troca de crimes, do medo, do erotismo, do fetichismo, mas também, e até em especial, a análise formal em filmes fundamentais como "A Mulher Que Viveu Duas Vezes/"Vertigo" (1958), "Psico"/"Psycho" (1962), "Os Pássaros"/"The Birds" (1964), vistos à lupa, plano a plano, excerto a excerto, e os exemplos retirados de muitos outros filmes fazem deste filme um ensaio modelar e fascinante, pedagógico e comemorativo, que muito justamente a Hitchcock associa François Truffaut, recordando que ele morreu com 52 anos, quatro anos depois do seu ilustre interlocutor e amigo.  
                    
        Como nenhum outro cineasta, Alfred Hitchcock soube, em favor do dispositivo de projecção do cinema, trabalhar o lado fantomático do filme com calculado envolvimento emocional do espectador, sempre com um uso superior da linguagem cinematográfica que não afastou a experimentação e sem evitar o dilema moral, que justamente perseguiu e procurou.
      Em português, devo assinalar a publicação este ano de "A culpa no cinema de Alfred Hitchcock", de Renato Barroso (Letras Encantadas, 2014), um livro em que, revelando grande saber do cinema e do direito, com grande dignidade o autor esgota este tema fundamental na obra cinematográfica e televisiva do cineasta, o que o torna uma obra a partir de agora indispensável na bibliografia sobre cinema e sobre o seu maior, mais inventivo criador.

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