Embora não se afaste muito dos seus trabalhos anteriores, "A Juventude"/"Youth" de Paolo Sorrentino (2015) surpreende pela audácia com que enfrenta o cinema e a velhice.
Dois velhos amigos, o compositor e maestro Fred Ballinger/Michael Caine e o realizador de cinema Mick Boyle/Harvey Keitel, passam uma temporada num hotel de luxo na Suíça, ocupando o seu tempo em conversas banais sobre um e o outro, sobre os filhos respectivos, sobre os outros hóspedes. Ambos são célebres - o primeiro recusa um convite para tocar perante a Rainha de Inglaterra, o segundo vai receber uma negativa da sua actriz de há muito, a mítica Brenda Morel/Jane Fonda, para participar no novo filme, o seu "filme-testamento" como lhe dizem, que ele está a preparar.
Numa situação que, com o risco do pretensioso, poderia permitir enveredar pelos caminhos da reflexão sobre a criação artística em cada um dos sectores, a opção do realizador, também argumentista, passa pela banalidade quotidiana vivida por dois homens com mais passado que futuro, o que confere especial interesse ao que dizem, ao que pensam, ao que fazem. Com notações avulsas, como o monge budista, o futebolista famoso no seu tempo, o casal que não fala, o montanhista, o para-quedista, sem deixar de lembrar no seu melhor "As Férias do Sr. Hulot"/"Les vacances de Monsieur Hulot", de Jacques Tati (1953), "A Juventude" deixa todo o espaço para a o diálogo e a recriação verbal.
Muito centrado em sexo e mulheres, como era expectável atendendo à idade dos protagonistas, o filme acaba por se encaminhar para uma reflexão comparada, em termos práticos, sobre a intemporalidade da música e a caducidade do cinema que, substituído pela televisão que o suplanta, já passou. E as memórias de tempos felizes não impedem de encarar um presente em que a mulher de Fred está internada em Veneza e a nova namorada do filho de Mick, que suplantou a filha de Fred, Lena/Rachel Weisz, junto dele, é uma cantora pop, Paloma Faith, que surge em sonhos num vídeo-clip.
Confrontado com a recusa de Brenda Morel e os seus fantasmas, as personagens que terá criado, Mick opta por sair pela janela, enquanto Fred, depois de indicações sumárias a uma criança que aprende a tocar e do encontro de ambos com a nova Miss Universo, acaba por aceitar o convite da Rainha, uma vez esclarecido o que estava por trás de "aprender a andar de bicicleta" para o outro.
Num filme inesperado e convincente, em que o diálogo revelador entre Fred e Lena está, tal como a saída final de Mick, muito bem encenado e a conclusão dos mais jovens vai no sentido do desejo contra o sentido do poder, a dedicatória final a Francesco Rosi (1922-2015) fica muito bem (sobre Paolo Sorrentino, ver "Evocativo", de 15 de Março de 2014).
Num filme inesperado e convincente, em que o diálogo revelador entre Fred e Lena está, tal como a saída final de Mick, muito bem encenado e a conclusão dos mais jovens vai no sentido do desejo contra o sentido do poder, a dedicatória final a Francesco Rosi (1922-2015) fica muito bem (sobre Paolo Sorrentino, ver "Evocativo", de 15 de Março de 2014).
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