O oitavo, e anunciado como antepenúltimo filme de Quentin Tarantino, "Os Oito Odiosos"/"Hard Eight" (2015), traz-nos de regresso um grande cineasta, de novo, como no anterior "Django Libertado"/"Django Unchained" (2012), às voltas com o oeste americano do século XIX, na sequência da Guerra Civil (1861-1865).
Sobre o modelo de "Cavalgada Heróica"/"Stagecoach", de John Ford (1939), diligência + estalagem, mas sem chegada ao destino, Tarantino, também autor do argumento, introduz pela insistência no mesmo cenário uma teatralidade que talvez não estivesse presente na sua obra desde "Cães Danados"/"Reservoir Dogs" (1989), o seu filme para que este mais proximamente remete. Claro que em Portugal não podemos ver o filme nos 70mm para que foi feito, mas por mim fico com uma boa ideia pela exploração do espaço na horizontal.
Com os movimentos de câmara indispensáveis e uma variação de planos reduzida ao essencial, primeiro o espaço da diligência, com enquadramentos frontais, depois o da estalagem, e este especialmente, são tratados como um palco em que os actores evoluem em profundidade e lateralmente, presos eles também pela abundância e importância do diálogo. Simultaneamente, a descontinuidade da narrativa favorece o interesse do espectador, que renasce quando poderia ameaçar esmorecer.
Tipificadas embora, as personagens, os "oito odiosos", não têm apesar de tudo uma construção fixa como estereótipos, que era o lado mais fraco do filme anterior do cineasta, e evoluem ao sabor de uma intriga que só ao fim de quase duas horas começa a desvendar os seus meandros a partir de um dispositivo eminentemente teatral: um alçapão. E deve mesmo ter-se presente que os "caçadores de prémios", centrais no filme, foram figuras muito importantes no western.
Tenho para mim que um dos aspectos mais importantes do cinema de Quentin Tarantino é o tom jubilatório dos seus filmes, que com um humor truculento próprio aqui está de novo presente: como na carta de Abe Lincoln, nada é verdadeiro naquela história, como pouco seria verdadeiro na história do western - o mítico "A Desaparecida"/"The Searchers", de John Ford (1956) passava-se também a seguir ao fim da Guerra Civil. A questão é que, como neste género e nessa carta em favor do mito, nos faz acreditar no que nos mostra, no que nos diz, incluindo a questão racial que aqui regressa.
Depois de Sergio Leone e Sam Peckinpah, a fotografia de Robert Richardson, a música de Ennio Morricone (sim, ele mesmo) e grandes actores no registo certo e muito bem caracterizados e dirigidos fazem o resto. Porque como poucos nos tira do tédio generalizado do actual cinema americano, estamos todos à espera dos seus filmes seguintes, Quentin Tarantino! (Sobre ele ver "Devastador", 21 de Fevereiro de 2012, e "Puro Tarantino", de 31 de Janeiro de 2013.)
Nota
Sobre este cineasta, cf. "Quentin Tarantino - Un cinéma déchainé", dirigido por Emmanuel Burdeau e Nicholas Vieillescazes (Paris: Les Prairies ordinaires - Capricci, 2013). Mas chamo também a atenção para o "John Ford" de Ted Gallagher, reescrito pelo autor para a edição francesa (Paris: Capricci, 2014).
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