Estrearam em Portugal dois documentários do fundamental cineasta chileno Patricio Gusmán: "Nostalgia da Luz"/"Nostalgia de la luz" (2010) e "O Botão de Nácar"/"El botón de nácar" (2015). Muito curiosamento, tratam o primeiro dos observatórios astronómicos chilenos, o segundo dos povos indígenas e da importância da água na vida humana para, num olhar mais atento, se deterem sobre os vestígios da ditadura de Pinochet.
Para cumprir um dever de consciência e de memória, o documentarista responsável por grandes documentários de referência sobre o seu país, nomeadamente "La batalla de Chile", em três partes (1975, 1976, 1979), regressa com cinco anos de intervalo ao grande sismo da sociedade chilena, que se seguiu ao golpe de estado que depôs o presidente eleito Salvador Allende. Para o fazer entrevista quem viveu essa época mas também quem estuda outras épocas da vida do Chile, nomeadamente o Século XIX e as populações indígenas, e os próprios indígenas actuais no segundo filme, assim aprofundando o nosso conhecimento de uma ferida tremenda que permanece ainda como chaga.
Ao ligar as eras do Universo mas também as idades da Terra com o seu objecto de estudo principal por forma a iluminá-lo, Patricio Gusmán desafia-nos com uma realidade hedionda que deixou atrás de si um sem número de vítimas feitas por carrascos ainda hoje impunes. Todos somos fracções de segundo na vida do universo, compostos maioritariamente por água, mas quando a vida humana é espesinhada e desprezada como neste caso aconteceu cada vida, cada ser torna-se ele próprio o próprio universo.
Muito
embora os depoimentos individuais coincidentes ocupem na economia dos
dois filmes um lugar muito importante, com os rostos e as
palavras da dor, importam em especial as imagens e os esclarecimentos sobre os campos de concentração da ditadura, onde foram torturados e mortos grande número de chilenos, e sobre os métodos utlilizados pelos verdugos para se desfazerem das suas vítimas, que permitem divulgar a todo o mundo uma realidade terrífica que nem todos conheceriam em pormenor.
Cinema político nos seus mais puros termos, o cinema de Patricio Gusmán aí está de novo a esclarecer-nos e desafiar-nos, em nome da memória e dos mortos. Para que ninguém diga que não sabia e para, contribuindo para fazer um luto, ficar para memória futura. (Sobre o cinema chileno, ver "Uma trilogia de respeito", de 30 de Abril de 2013).
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