“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

terça-feira, 30 de agosto de 2016

O diário de Cristina

      "Amor Impossível", o mais recente filme de António-Pedro Vasconcelos (2015), com argumento de Tiago Santos inspirado em factos reais, é cru e violento sobre o amor português tomado em personagens jovens. E é um dos seus melhores filmes pela precisão com que é construído e dirigido, revelando mais uma vez a mestria do cineasta.      
                       amorimpossivel
     A história localizada em Viseu é banal e telenovelesca, como um lugar comum das vidas portuguesas, mas transforma-se em tragédia, uma tragédia portuguesa com ressonância universal, nas mãos de um cineasta inteligente e culto que aqui volta ao seu melhor - "Os Imortais" (2003), por exemplo, aqui convocado pela sua semelhante construção formal, agora aperfeiçoada. 
   Desdobrada em dois tempos pelo diário de Cristina/Victoria Guerra que a agente Madalena/Soraia Chaves lê, a narrativa mantém o seu mistério intacto até ao fim, sem qualquer contemporização com as expectativas do espectador. Como um novelo que se desenrola, a história contada no diário é uma história de amores juvenis que se querem absolutos, mas vai ser Tiago/José Mata quem no final vai revelar o que de facto aconteceu depois do diário de Cristina.
                            
      Demasiado jovens para criarem um projecto de futuro para os seus amores, só ela escutara a conversa de Jacinto/José Martins sobre a morte da mulher, como só ela, que alimentava suspeitas sobre as circunstâncias da morte do pai, levara uma tareia da mãe, Amélia/Maria D'Aires, enquanto a ele lhe calhara as restrições do pai, a porrada durante um concerto, o vício do jogo e o ciúme. A morte do canário prenuncia o final.
     Não existe um plano a mais no último filme de António-Pedro Vasconcelos, já que tudo é minuciosamente preparado para resultar daquela maneira. O recurso ao fait divers, que por exemplo François Truffaut utilizou com grande felicidade ("La femme d'à côté", 1981), torna tudo mais impiedoso e sem sentido. A música dispersa tem um tom melancólico e desesperado, ela também. As referências literárias são justas e o cruzamento de Madalena com Cristina está bem visto. Sobre o cineasta ver "Lugar incomum", de 6 de Junho de 2015.
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         Nota
      Para conhecer melhor o António-Pedro são fundamentais dois livros saídos este ano: "António-Pedro Vasconcelos: Um Cineasta Condenado a Ser Livre - Diálogo com José Jorge Letria" (Lisboa: Guerra & Paz, 2016) e "A Companhia dos Livros", de António-Pedro Vasconcelos (Lisboa: Sociedade Portuguesa de Autores Edições, 2016), este uma recolha de artigos seus.

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