O
último filme de Woody Allen, "Para Roma, com Amor"/"For Rome with Love"
(2012), é mais um filme da série que o cineasta-actor resolveu dedicar a
grandes e famosas cidades europeias nos últimos anos, desde 2005. O
projecto pode ser visto em si mesmo como curioso, até original, mas
isso não impede que incorra no risco de transformar cada filme num
apressado postal turístico, um risco já presente em "Vicky
Cristina Barcelona" (2008) que aqui abertamente se declara.
A
opção por um filme em episódios não tem, em si mesma, nada de
especialmente favorável ou contrário, mas a forma como o cineasta o
investe não lhe permite aprofundar personagens nem situações e leva-o a
criar meros clichés, que como tal ele trabalha. O homem entre
duas amigas já por ele fora tratado muito melhor em "Vicky Cristina
Barcelona" e nem Penélope Cruz salva o seu episódio, ou o filme, pois
ali pensamos imediatamente no que sobre o assunto fez Billy Wilder, na
América mas também em Itália - "Avanti!" (1972) -, e até no que
anteriormente fez já o próprio Woody Allen - "Poderosa Afrodite"/"Mighty
Aphrodite" (1995), por exemplo.
Evidentemente
que o filme tem apontamentos saborosos e bons momentos, em especial no
episódio do cantor de ópera que só canta no chuveiro, em que o próprio
Woody Allen intervém com inteligente auto-ironia, mas de resto resume-se
a pouco mais do que lugares-comuns: monumentos, referências ao cinema e
à comédia italiana, a católicos e arquitectos em cópia conforme, numa paródia sem uma linha de rumo definida, morna, sem frescura nem novidade, o que o torna um Woody Allen menor.
O trabalho sobre o cliché
no cinema americano do pós-guerra é identificado por Gilles Deleuze em
cineastas como Robert Altman, Sidney Lumet e Martin Scorsese como tendo
conduzido à crise da imagem-acção, comentando o autor que não existe apenas o cliché do exterior mas também o cliché interior e que, mais, nós pensamos e sentimos segundo clichés (1). Não espanta, assim, que Woody Allen, que dele já se servira várias vezes, ao cliché aqui retorne. Só que há maneiras de trabalhar num filme com o cliché e contra o cliché, e neste filme a opção do cineasta é manifestamente a primeira (2).
Menor mas mesmo assim um Woody Allen, "Para Roma, com Amor" vale por si mesmo como tal até porque contém uma inequívoca, muito oportuna e pertinente reflexão crítica sobre a celebridade nos dias de hoje, com a imprensa, o cinema e a televisão à cabeça, que a todos toma por imbecis e tenta imbecilizar. Quanto mais não seja por essa reflexão crítica, que atravessa todos os episódios mas é especialmente notória naquele em que intervém Roberto Benigni, em que o cineasta trabalha contra o cliché, este é um falhanço muito honroso de um maestro nada imbecil.
Notas
(1) Cf. Gilles Deleuze, "L'Image-mouvement", Les Éditions de Minuit, Paris, 1983, páginas 281-283.
(2) Não se deve, contudo, ignorar o que sobre a comédia escreve o mesmo autor a propósito da pequena forma da imagem-acção, in op. cit., capítulo 10, pág. 220. Na obra de Gilles Deleuze sobre cinema, e nesse capítulo em especial, a ausência de Billy Wilder é uma das omissões mais graves.
Menor mas mesmo assim um Woody Allen, "Para Roma, com Amor" vale por si mesmo como tal até porque contém uma inequívoca, muito oportuna e pertinente reflexão crítica sobre a celebridade nos dias de hoje, com a imprensa, o cinema e a televisão à cabeça, que a todos toma por imbecis e tenta imbecilizar. Quanto mais não seja por essa reflexão crítica, que atravessa todos os episódios mas é especialmente notória naquele em que intervém Roberto Benigni, em que o cineasta trabalha contra o cliché, este é um falhanço muito honroso de um maestro nada imbecil.
Notas
(1) Cf. Gilles Deleuze, "L'Image-mouvement", Les Éditions de Minuit, Paris, 1983, páginas 281-283.
(2) Não se deve, contudo, ignorar o que sobre a comédia escreve o mesmo autor a propósito da pequena forma da imagem-acção, in op. cit., capítulo 10, pág. 220. Na obra de Gilles Deleuze sobre cinema, e nesse capítulo em especial, a ausência de Billy Wilder é uma das omissões mais graves.
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