Oliver Stone é um cineasta
desassombrado e corajoso que nos seus filmes vai habitualmente ao encontro
daquilo que mais dói na sociedade americana. Assim tem sido desde os seus
primeiros filmes, nos anos 80, e assim continua a acontecer com o seu filme mais recente,
“Selvagens”/”Savages” (2012), em que em vez de se refugiar numa fronteira
pacífica, como a canadiana, investe a fronteira mexicana e alguns dos mais
graves problemas que dela advêm para o seu país.
Direi em poucas palavras que o filme me desagrada pelo tom que a narradora inicial lhe imprime e que se vem a confirmar no seu decurso. De facto, apesar de momentos de violência paroxística, que se podem compreender no contexto narrativo e no contexto de um cartel da droga em que ocorrem, o cineasta não investe o conflito do seu filme de uma forma trágica, como fizeram Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Brian De Palma ou Abel Ferrara em situações semelhantes, preferindo conferir-lhe um carácter, um tom que diria lúdico, que a referência a “Dois Homens e Um Destino”/“Butch Cassidy and the Sundance Kid”, de George Roy Hill (1969) vem sublinhar como piscadela de olho dentro do próprio cinema americano. Ora não me parece que a gravidade da questão aqui envolvida se compadeça com um tom ameno, como aquele que “Selvagens” assume em momentos cruciais.
Direi em poucas palavras que o filme me desagrada pelo tom que a narradora inicial lhe imprime e que se vem a confirmar no seu decurso. De facto, apesar de momentos de violência paroxística, que se podem compreender no contexto narrativo e no contexto de um cartel da droga em que ocorrem, o cineasta não investe o conflito do seu filme de uma forma trágica, como fizeram Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Brian De Palma ou Abel Ferrara em situações semelhantes, preferindo conferir-lhe um carácter, um tom que diria lúdico, que a referência a “Dois Homens e Um Destino”/“Butch Cassidy and the Sundance Kid”, de George Roy Hill (1969) vem sublinhar como piscadela de olho dentro do próprio cinema americano. Ora não me parece que a gravidade da questão aqui envolvida se compadeça com um tom ameno, como aquele que “Selvagens” assume em momentos cruciais.
Claro
que se percebe a intenção do cineasta, que em si mesma envolve uma crítica
muito séria do sistema e, mais, contém alusões directas à situação muito grave
vivida no México em torno dos cartéis da droga, que há vários anos ameaçam
dominar todo o país, se não o fazem já. É evidente que há uma personagem a meu
ver importante no filme, Lado, muito bem defendida por Benicio Del Toro, que é
hoje um dos maiores actores do cinema americano e por momentos faz pensar em Orson Welles, mas
esse lado do filme não é muito desenvolvido, o lado do crime e dos criminosos,
ou pelo menos não tem o desenvolvimento mais convincente que a duplicidade
falsificante da personagem justificaria – e aqui o termo de comparação é mesmo “A
Sede do Mal”/”Touch of Evil”, de Orson Welles (1958). Aliás, salvo Lado, tudo e
todos no filme são muito unidimensionais e previsíveis, o que ajuda o seu maniqueísmo
mas lhe retira densidade dramática e humana. Salma Hayek como Elena está ali por desde “Frida”,
de Julie Taymor (2002), ser a mexicana de serviço no cinema americano.
Também
devo confessar que me interessou por momentos o jogo do cineasta com a escala dos planos,
com destaque para o apropriado uso do grande-plano na primeira parte do filme,
e que me agradou o ritmo da montagem e da música. Mas a solução dos finais
alternativos, se bem que na moda, não me convence – teria preferido o menos
amável primeiro final, mas compreendo que o segundo é aquele que permite a Oliver
Stone jogar no registo dramático,melodramático que escolheu.
Este
filme vem confirmar Stone como um cineasta sólido, que sabe sempre muito bem o
que quer e não evita os obstáculos, os temas difíceis, que pelo contrário
parecem continuar a atraí-lo. “Selvagens” vem, porém, confirmar igualmente aquilo de que
se suspeitava já, a saber: que lhe falta a subtileza, a ductilidade
perante as personagens, as narrativas e os filmes, que podem definir um talento
cinematográfico invulgar. Aqui, apesar da crítica implícita e explícita - uma
crítica talvez mais feroz do que pode parecer à primeira vista, pois se no
filme é retratada com grande crueza gráfica a violência no negócio ilegal ela não esconde a violência dos
negócios legais nos tempos que correm, a que talvez queira, justamente, também aludir -,
apesar de um traidor punido e de um outro que só o é (punido) no primeiro final
alternativo, sente-se uma acomodação do cineasta ao gosto do público americano
e a hesitação em subverter o seu tema, para o que
seria mesmo necessário ter personagens alternativas ao cartel da droga mais
credíveis do que aquele amável triângulo amoroso, Chon/Taylor Kitsch, que
esteve na guerra e explica por si parte da violência do filme, Ben/Aaron
Johnson, budista e defensor das energias alternativas, que faz o seu contraponto, e Ophelia/Blake Lively, a mulher
que eles primeiro partilham e depois pretendem resgatar. Mesmo assim, as notícias que ao longo do filme nos chegam sobre o grande senhor, El Azul/Joaquin Cosio, não são nada tranquilizadoras, já que para ele tudo se resume a pequenas alterações, ajustamentos no negócio - mas tudo, mesmo isso, se dilui na ligeireza do tom.
Cineasta
estimável, ainda não foi com “Selvagens” que Oliver Stone, desassombrado e
corajoso embora, verdadeiramente me surpreendeu ou convenceu. E a culpa é mesmo dele, da indecisão de registos e soluções em que mergulha e que não resolve no filme, de não ter sabido aproveitar melhor o que poderia estar contido no seu ponto de partida narrativo, o romance de Don Winslow, que colabora com Shane Salerno e com ele próprio no argumento.
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