O último filme de Pedro Almodóvar, "A Pele Onde Eu Vivo"/"La piel que habito" (2011), é um filme muito cuidado, em que se sente e admira o prazer da forma e o gosto do tema (a mudança de sexo, a vingança) sem que verdadeiramente se sinta a surpresa ou a emoção. É, por isso, mais um filme que se acrescenta ao prestígio do cineasta sem, contudo, verdadeiramente lhe acrescentar nada de novo ou importante.
Isto digo eu, que conheço bem a obra do cineasta espanhol, que no seu melhor admiro, mas porque a admiro sei que quando ele faz o seu melhor nos toca, nos dá alguma coisa em excesso de emoção que, mesmo se em melodrama, nos comove e desperta. Ora no seu último filme ele já quase nem sequer pretende chocar, antes parece querer exibir o seu tema, as suas personagens e a sua narrativa como algo programado, programático, por forma a que funcione sem grandes sobressaltos, previsível e sem surpresas.
Grande cineasta como é, Almodóvar sabe como fazer para causar boa impressão, para que esteticamente tudo esteja bem e no seu lugar, para que emocionalmente haja, com recuos e avanços temporais, o encaixe perfeito entre todos os elementos da narrativa. Mas sem real emoção, com frieza e cálculo que afastam a paixão, a compaixão, o próprio melodrama em que se excedeu, que surge no final, rapidamente e com pudor, como se para não se dar por ele embora sobressalte, na única personagem que interessaria, Vicente/Vera (Jan Cornet/Elena Anaya), já que Robert Ledgard/Antonio Banderas está reduzido a um mero cliché, rígido e não explorado na sua pretensa obsessão.
A imagem é limpa e bem composta, os cenários muito bons, os pormenores de decoração, que a planificação por vezes evidencia, perfeitos, mas tudo se limita a si próprio, sem criar ambientes nem personagens tocantes mesmo para um tema delicado como este, tratando epidermicamente. Ali sente-se que tudo cicatrizou, que não há ferida aberta mas um processo de cura, mesmo se conturbado, que já não afecta ninguém. A sobriedade fica-lhe bem, mas onde a emoção se torna tão contida que mal se nota falta alguma coisa que foi essencial nos filmes do cineasta.
Claro que Pedro Almodóvar é um mestre do cinema, senhor de um perfeito domínio da forma, mas mostra-se em "A Pele Onde Eu Vivo" mais preocupado com a decoração, com a forma, do que com as personagens ou os sentimentos. Para quem já foi, talvez justamente, considerado o mais directo descendente de Luis Buñuel (1), é francamente pouco, é mesmo lamentavelmente decepcionante.
Nota
(1) Cf. "Cinema of Obsession - Erotic Fixation and Love Gone Wrong in the Movies", de Dominique Mainon e James Ursini, Limelight Editions, New York, 2007, páginas 103-107.
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