Nascido no Irão e residente em Inglaterra, Rafi Pitts dirigiu em 2010 a sua quarta longa-metragem, "Ali - O Caçador"/"The Hunter", que é o primeiro dos seus filmes que conheço. A surpresa é grande, o filme muito bom.
Argumentista, realizador e também actor, o cineasta cria e desenvolve este filme a partir de imagens simples, claras e elementares durante a primeira hora, que aparentemente, mas só aparente o lança. De facto, depois de um início feliz o filme dá para o torto, com o anúncio da morte de mulher de Ali, Sara, e o desaparecimento da sua filha, Saba. Essa primeira parte do filme é muito boa, com imagens exactas com a duração precisa, uma montagem limpa, seca e ritmada, um excelente aproveitamento da arquitectura urbana, em que o plano geral com regularidade dá a dimensão do protagonista e do seu isolamento, o que é acompanhado pelo seu progressivo isolamento no interior dos planos mesmo em interiores. E a partir de um determinado momento as personagens calam-se, e só nos chegam os ruídos ambiente.
Quero, porém, chamar aqui a atenção para dois momentos. O primeiro quando, depois de morta, Sara aparece num plano, nas costas de Ali, portanto sem que ele a possa ver, mesmo se em qualquer caso ele a não pudesse ver. O segundo, a referência ao passado da mesma Sara, em que ela evoca o marido preso, a quem disse ter engravidado, e pede que a façam engravidar, uma referência que, estando ela morta, só pode resultar da imaginação, da fantasia de Ali. Além disso, saliento também que o filme começa com Ali em postura de caçador para a ele assim regressar mais tarde, o que desde logo introduz um princípio de não-linearidade.
Mas a partir do momento em que o caçador dispara na auto-estrada sobre um carro da polícia e mata os seus ocupantes, depois de se ter feito o silêncio os planos tornam-se gerais com a sua consequente miniaturização na paisagem, ao que vai seguir a perseguição por um outro carro da polícia - sempre sem diálogos. Depois da perseguição de carro entramos na floresta, para dela não mais sairmos, na meia-hora final do filme. Nessa floresta primordial ou final, depois de Ali ter sido preso assistimos ao conflito entre os dois polícias que vai levar ao desenlace, inesperado e equívoco.
Para já, na floresta perde-se o admirável apuro formal da primeira parte do filme, em que tudo era perfeito, para depararmos com uma rugosidade da forma, como que ela própria também perdida naquele espaço distante e primitivo. Ora vai ser no espaço assim definido em termos fílmicos que vamos assistir, com Ali, ao confronto entre os dois polícias, um mais velho, o outro mais novo, até que o mais novo oferece a Ali a possibilidade de fuga. Sabemos pela experiência, até pela experiência do próprio cinema, que quando é dada a possibilidade de fugir a um prisioneiro este deve suspeitar. Pergunto-me: Ali suspeita? Que o polícia mais novo tenha preparado aquele final pode ser certo, que Ali o tenha feito, ele também (preparado aquele final), não é seguro mas é, a meu ver, provável - é o final do "O Ofício de Matar"/"Le Samuraï", de Jean-Pierre Melville (1967).
O arco de possibilidades para que "Ali - O Caçador" abre é imenso e fascinante, deixando ao espectador a liberdade mas também o encargo de o concluir, o fechar na sua interpretação. Se na primeira parte o filme era seco e preciso, claro e luminoso, na segunda torna-se sombrio, vagabundo e rugoso, como se para corresponder à rugosidade das próprias personagens, toscas, e da respectiva situação, embaraçosa, pois perderam-se na floresta, num espaço longínquo propício ao absurdo, à ausência de saída e de sentido. O diálogo entre os dois polícias na floresta aponta para o absurdo, o comportamento de Ali para a ausência de saída - e também de sentido.
Desde o início, a presença dos quatro elementos, fogo, terra, ar e água, todos muito bem dados, mesmo com planos vazios da natureza, sem personagens, dá um carácter telúrico ao filme e como que formula um julgamento funesto, dos próprios elementos, sobre o protagonista e o esmaga. Seco, seguro e feliz, "Ali - O Caçador" é um pequeno filme mais que perfeito e perturbador, em que Rafi Pitts, além do mais, se utiliza muito bem a si próprio na pele do protagonista.
Argumentista, realizador e também actor, o cineasta cria e desenvolve este filme a partir de imagens simples, claras e elementares durante a primeira hora, que aparentemente, mas só aparente o lança. De facto, depois de um início feliz o filme dá para o torto, com o anúncio da morte de mulher de Ali, Sara, e o desaparecimento da sua filha, Saba. Essa primeira parte do filme é muito boa, com imagens exactas com a duração precisa, uma montagem limpa, seca e ritmada, um excelente aproveitamento da arquitectura urbana, em que o plano geral com regularidade dá a dimensão do protagonista e do seu isolamento, o que é acompanhado pelo seu progressivo isolamento no interior dos planos mesmo em interiores. E a partir de um determinado momento as personagens calam-se, e só nos chegam os ruídos ambiente.
Quero, porém, chamar aqui a atenção para dois momentos. O primeiro quando, depois de morta, Sara aparece num plano, nas costas de Ali, portanto sem que ele a possa ver, mesmo se em qualquer caso ele a não pudesse ver. O segundo, a referência ao passado da mesma Sara, em que ela evoca o marido preso, a quem disse ter engravidado, e pede que a façam engravidar, uma referência que, estando ela morta, só pode resultar da imaginação, da fantasia de Ali. Além disso, saliento também que o filme começa com Ali em postura de caçador para a ele assim regressar mais tarde, o que desde logo introduz um princípio de não-linearidade.
Mas a partir do momento em que o caçador dispara na auto-estrada sobre um carro da polícia e mata os seus ocupantes, depois de se ter feito o silêncio os planos tornam-se gerais com a sua consequente miniaturização na paisagem, ao que vai seguir a perseguição por um outro carro da polícia - sempre sem diálogos. Depois da perseguição de carro entramos na floresta, para dela não mais sairmos, na meia-hora final do filme. Nessa floresta primordial ou final, depois de Ali ter sido preso assistimos ao conflito entre os dois polícias que vai levar ao desenlace, inesperado e equívoco.
Para já, na floresta perde-se o admirável apuro formal da primeira parte do filme, em que tudo era perfeito, para depararmos com uma rugosidade da forma, como que ela própria também perdida naquele espaço distante e primitivo. Ora vai ser no espaço assim definido em termos fílmicos que vamos assistir, com Ali, ao confronto entre os dois polícias, um mais velho, o outro mais novo, até que o mais novo oferece a Ali a possibilidade de fuga. Sabemos pela experiência, até pela experiência do próprio cinema, que quando é dada a possibilidade de fugir a um prisioneiro este deve suspeitar. Pergunto-me: Ali suspeita? Que o polícia mais novo tenha preparado aquele final pode ser certo, que Ali o tenha feito, ele também (preparado aquele final), não é seguro mas é, a meu ver, provável - é o final do "O Ofício de Matar"/"Le Samuraï", de Jean-Pierre Melville (1967).
O arco de possibilidades para que "Ali - O Caçador" abre é imenso e fascinante, deixando ao espectador a liberdade mas também o encargo de o concluir, o fechar na sua interpretação. Se na primeira parte o filme era seco e preciso, claro e luminoso, na segunda torna-se sombrio, vagabundo e rugoso, como se para corresponder à rugosidade das próprias personagens, toscas, e da respectiva situação, embaraçosa, pois perderam-se na floresta, num espaço longínquo propício ao absurdo, à ausência de saída e de sentido. O diálogo entre os dois polícias na floresta aponta para o absurdo, o comportamento de Ali para a ausência de saída - e também de sentido.
Desde o início, a presença dos quatro elementos, fogo, terra, ar e água, todos muito bem dados, mesmo com planos vazios da natureza, sem personagens, dá um carácter telúrico ao filme e como que formula um julgamento funesto, dos próprios elementos, sobre o protagonista e o esmaga. Seco, seguro e feliz, "Ali - O Caçador" é um pequeno filme mais que perfeito e perturbador, em que Rafi Pitts, além do mais, se utiliza muito bem a si próprio na pele do protagonista.
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