“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 21 de outubro de 2012

Um artista de sonho

        O americano Tim Burton é um grande cineasta e um artista extraordinário, como já sabíamos e o seu mais recente filme, "Frankenweenie" (2012), em stop motion, a preto e branco e em 3D, amplamente confirma.
           Agarrando na personagem e na história da sua curta-metragem homónima de 1984, Burton faz agora com elas o grande filme que então apenas pudera esboçar, embora muito bem - só no ano seguinte viria a fazer a sua primeira longa-metragem. Mas agora ele tira todo o partido da experiência e do saber entretanto adquiridos para nos deslumbrar com uma narrativa extremamente hábil e bem construída e com a mestria do uso do preto e branco e do 3D num filme em stop motion.
                     Frankenweenie-image      
           Não por acaso, damos por nós várias vezes a pensar em "A Noiva Cadáver"/"Corpse Bride" (2005), em que já nos deslumbrara, embora o cineasta nos seduza sempre com a personagem-tipo que cria, muito inspirada em "Eduardo Mãos de Tesoura"/"Edward Scissorhands" (1990), o filme que definitivamente definiu o seu génio e estabeleceu a sua reputação. Trata-se de uma história infantil, de um rapaz, Victor, e o seu cão, Sparky, que ele ressuscita com recurso aos conhecimentos sobre a ciência que de um professor extravagante adquiriu na escola - um remake do filme original, sem a ingenuidade e a frescura dele, mas acrescentado com novos meios e nova sabedoria  que, se destroem a ingenuidade primitiva, permitem, contudo, criar uma obra nova muito bem concebida e concretizada, que toda ela funciona como um sonho. 
         Embora infantil à partida, a narrativa contém, mesmo assim, ensinamentos fundamentais sobre a própria ciência e o seu modo de usar, que deve permitir readquirir o controlo de situações que escapam ao domínio humano, mesmo se desencadeadas pelo próprio homem, no caso pelas crianças. Esta uma lição em forma de parábola muito oportuna nos tempos que correm, em que a ciência tudo se julga permitido até ao ponto de poder desencadear efeitos que ela própria pode já não dominar completamente, às vezes nem sequer prever. 
                      Frankenweenie
           A partir de uma família americana muito bem definida, passando por uma escola muito bem aproveitada, por um ambiente de pequena cidade, no caso New Holland, que inclui uma festa, "Frankenweenie" tira o melhor proveito dos meios técnicos que utiliza - Burton já fizera "Alice no País das Maravilhas"/"Alice in Wonderland" (2010) em 3D, processo que aqui mostra dominar perfeitamente - e acaba por supreender mais pelo uso muito original e muito apropriado do preto e branco, aqui recuperado de modo muito expressivo. A memória dos clássicos do filme de terror atravessa todo o filme desde o seu título.
           Num filme em stop motion todos os aspectos técnicos são muito importantes, e surgem aqui completamente dominados, embora seja reconhecível a marca inconfundível do realizador, também responsável pela ideia original. No final vamos deparar com o despertar de monstros que vai ser muito difícil derrotar, com uma heroína salva de uma casa em chamas e com o próprio Victor salvo por Sparky, que vem a morrer segunda vez para pela segunda vez ser ressuscitado.        
                              
            A Disney, que tinha torcido o nariz à curta de 1984, voltou atrás e deu a Tim Burton esta nova oportunidade, depois de já ter produzido "Alice no País das Maravilhas", oportunidade que ele evidentemente merecia e aproveitou em cheio, para bem do cinema, com toda a sua arte, ele que é um artista de sonho. Resta saber o que nos reserva ainda o sonho deste artista, quero crer que ainda em expansão.    

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