“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

A Terceira Rosa

      “Uma Segunda Juventude”/”Youth Without Youth”, de Francis Ford Coppola (2007), é um filme muito interessante que assinala o regresso de um dos melhores cineastas da que foi denominada “Nova Hollywood” na década de setenta do século passado.
      No entanto, e depois de 10 anos sem realizar filmes, ele corre o risco de ter muitos espectadores que assistem à estreia de um filme seu pela primeira vez e, por isso, de surgir para muitos (os mais novos) como um estranho. É certo que durante esse lapso de tempo a produtora dele, a Zoetrope, esteve sempre activa, e os seus filhos Roman e Sofia começaram a fazer os seus próprios filmes, mas sabe-se e percebe-se que não é a mesma coisa.
      Pressente-se, de facto, em “Uma Segunda Juventude” que Francis Ford Coppola quis fazer um filme que estivesse à altura da sua (justa) fama de “monstro sagrado”, que se baseia nomeadamente em “Apocalypse Now” e nos três filmes da saga “O Padrinho”/”The Godfather”, e o filme faz efectivamente jus a essa reputação.
      Baseando-se em história de Mircea Eliade, o cineasta entra nos domínios do fantástico e do filme de época, como já fizera em “Drácula de Bram Stoker”/”Dracula” (1992), e nos domínios do tempo, nomeadamente da viagem nele, como fizera em “Peggy Sue casou-se”/”Peggy Sue Got Married” (1986), numa narrativa sobre a regressão na idade de um professor embrenhado na busca das origens da linguagem, Dominic/Tim Roth, regressão essa motivada por ter sido atingido por um raio, um relâmpago, o que lhe permite ficar mais novo e viver até mais tarde, viajando assim no tempo. Vai ser essa a razão que lhe permite reencontrar noutra a sua paixão de juventude, Laura-Verónica/Alexandra Maria Lara.

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      Partindo da Roménia em 1938 para a ela regressar no final, depois de uma digressão pela Europa, muito bem filmada do lado do filme de espionagem de época, e de uma viagem à Índia, “Uma Segunda Juventude” entra nos domínios temáticos da reencarnação e da transmigrassão das almas, o que se compreende dada a vertente antropológica da obra de Eliade, e joga com a figura do duplo tanto do lado feminino como do lado masculino, aí a meu ver muito bem e com grande felicidade.
      Sem nunca perder de vista que é um grande cineasta que tem que estar à altura do seu prestígio, Francis Ford Coppola termina o seu filme sobre a ideia da terceira rosa e, consequentemente, com a morte do protagonista, o que transmite de maneira muito feliz o pulsar do destino e o fim depois do regresso da viagem no tempo, ideia perfeitamente coerente e consistente com a obra anterior dele.
      Pode sempre preferir-se a Índia de “The Darjeeling Limited”, de Wes Anderson, também de 2007, como um mítico Oriente em que a figura do outro, da alteridade, persiste como ponto de partida com outra frescura e jovialidade, mas o certo é que a reflexão final deste filme, remetendo para o inexplicável, contém uma parábola que, embora possa surgir como forçada e pesada, não é datada porque intemporal e é indiscutivelmente muito forte – a morte é sempre o direito e o avesso do mito da eterna juventude. Mas a comparação referida permite facilmente perceber como o tempo passou para todos nestes 10 anos de inactividade criativa do cineasta.
      “Uma Segunda Juventude” é sem dúvida um grande filme e Francis Ford Coppola continua a ser um grande cineasta que se caracteriza por grandes temas e  grandes audácias tanto narrativas como formais, e continua a ter o seu lugar no cinema, de cuja história nos últimos 40 anos o seu nome é indissociável, mas o melhor do cinema americano desde os anos noventa do século passado, durante os quais apenas fez quatro filmes, já não passa por ele. A não ser que filme ou filmes seguintes permitam dizer o contrário, o que para mim e, especialmente, para ele e para o cinema seria muito bom.

Junho 2008

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