“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

domingo, 29 de janeiro de 2012

Quase 40 anos depois

     Efectivamente, e uma vez que “Belle de Jour”, de Luis Buñuel, era de 1967, é quase quarenta anos depois que Manoel de Oliveira vai agarrar nas personagens daquele filme, interpretadas pelo mesmo Michel Piccoli e, desta feita, por Bulle Ogier, para um curto mas muito saboroso reencontro. Nunca saberemos o que Buñuel pensaria deste filme, mas podemos imaginar… que sim, que gostaria.
    Para “Belle toujours” (2006), o cineasta português limita-se a trabalhar sobre o tema de um possível reencontro entre Séverine e Husson, e sem dúvida que o tema é muito bem escolhido, como muito boa é a preparação do “tête-à-tête” entre eles, em que como que é criado um clima, preparado o ambiente para um encontro que vai durar o tempo de uma refeição. Encontro esse para o qual Séverine foi convencida com a promessa de uma revelação sobre se, sim ou não, Husson tinha revelado ao agora falecido marido dela e melhor amigo dele os encontros extra que ela tinha tido – e que eram precisamente o assunto do filme do mestre espanhol.
    Eu não vou dizer quem, a meu ver, ganha e perde nesse reencontro que sabe a recontro, porque me parece que essa não é a questão principal do filme. Aquilo para que quero chamar a atenção é, em primeiro lugar, para os excelentes diálogos entre o alcoólico e o barman, excelentes pelas palavras que permitem um outro encontro entre gerações diferentes (e também pelos pormenores de composição, com a mão impaciente do cliente e com a presença das duas profissionais), mas sobretudo pela “mise-en-scène”, com um fabuloso jogo sobre o campo e o fora de campo, com espelho e tudo. Em segundo lugar, quero referir o tratamento que Oliveira faz de Paris como se fosse um indígena local, não se limitando às vistas aéreas mas pondo Piccoli a caminhar pelas ruas – e recorde-se que ali filmara já neste século “Je rentre à la maison” (2001), com o mesmo actor. Em terceiro lugar, creio que é fundamental atentar no aproveitamento da música, a 8ª Sinfonia de Anton Dvorak, que começamos por ouvir com os protagonistas na abertura do filme.