O mais recente filme realizado por Tim Burton, "A Casa da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares"/"Miss Peregrine's Home for Peculiar Children" (2016), é mais uma maravilhosa invenção criativa do cineasta, em que ele volta a dar largas à sua fantasia.
Partindo da actualidade na Florida entre neto, Jake/Asa Butterfield, e avô, Abe Portman/Terence Stamp, o filme vai parar ao País de Gales onde se situa a casa do título, em ruínas, onde o primeiro entra no vórtice do tempo dos seus habitantes, hoje mortos mas em 1943, dia 3 de Setembro, vivos e repetindo diariamente o mesmo ritual até Miss Peregrine/Eva Green fazer recuar a bomba largada sobre ela até à sua origem aérea. O tempo pára e a vida recomeça no dia seguinte.
Os jovens habitantes da casa são todos eles poderosamente cativantes, o que anima bonecos inanimados fazendo-os mover como marionetas, o que projecta os seus sonhos através de um olho e Emma Bloom/Ella Prunell que mergulha na água com botas de chumbo. Entretanto a vida "normal" dos pais "normais" de Jake prossegue, enquanto a casa é submetida às investidas dos "sem alma" sob o comando do malvado Barron/Samuel L. Jackson, senhor de um outro vórtice do tempo, que transforma Miss Peregrine num pássaro pondo assim fim ao vórtice dela.
Em Blackpool as coisas evoluem fantasticamente num luna-parque onde, a partir de um comboio-fantasma, as crianças vencem os "sem alma" - a cena em que os esqueletos se tornam visíveis está muito boa - e Miss Peregrine volta ao seu corpo para se transformar de novo em ave, enquanto a pequena Olive/Lauren McCrostie morre e a um beijo ressuscita. No final Jake reencontra o avô vivo na Florida antes de partir para junto de Emma no barco em que embarcam em Blackpool rumo ao vórtice de Miss Peregrine.
Confrontando os vivos sem morte com os mortos sem alma num conto fantástico com alusão à II Guerra Mundial em que Abe, que contara a história de Miss Peregrine ao neto, participou, Tim Burton constrói um combate delicioso com comparsas vários e cenas delirantes, que anima uma história que poderia parecer mortiça mas as peripécias diversas animam. Nada de mais espantosamente belo do que a transformação da protagonista em ave, em momentos, tal como a projecção dos sonhos e a colecção de olhos de Barron, de puro delírio visual surrealista.
Com argumento de Jane Goldman baseado em novela de Ransom Riggs, fotografia muito boa de Bruno Delbonnel e montagem hábil de Chris Lebenzon, este "A Casa da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares" beneficia com o 3D sem que este lhe seja essencial, mas é também enriquecido por surpreendentes aparições em efémeros papéis secundários de Judi Dench, Rupert Everett e Allison Janney. A música inclui grandes escolhas (Flanagan and Allen, John Anthony, Paloma Faith, Tom Higham, Glenn Miller, Tchaikovski, Florence+The Machine) que se revelam acertadas, e o genérico de fim sobre fotografias está bem visto num filme em que se destacam sobretudo os efeitos visuais e a animação com recurso a técnicas antigas e actuais.
Tim Burton mantém-se ao seu melhor nível (com uma ou outra pequena desatenção de pormenor) neste sonho surrealista, confirmando-se como um dos mais destacados realizadores americanos da sua geração - sobre o cineasta, ver "Um artista americano", de 24 de Maio de 2012, "Um artista de sonho", de 21 de Outubro de 2012, e "Nada ao acaso", de 14 de Fevereiro de 2015.
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