Ao acompanhar, junto deles, com eles, os refugiados birmaneses da guerra civil no seu país, hoje Myanmar, que caminham a pé para a vizinha China, em "Ta'ang" (2016) Wang Bing faz a epopeia da minoria étnica que tem esse nome, um povo que, com os seus bens e pertences reduzidos ao essencial, percorre os caminhos mais inóspitos e agrestes da fronteira em busca de refúgio. E acompanha esses refugiados de muito perto durante a Primavera de 2015.
Habituados que estamos a epopeias bélicas de descoberta e conquista, surpreende-nos encontrar um equivalente desse sopro de aventura e perigos na caminhada de um povo que foge da guerra que o ameaça. Com avanços e recuos no percurso, o cineasta demora-se na fronteira sino-birmanesa ou já em território chinês na companhia de grupos em que os membros respectivos se interessam uns pelos outros e praticam a entre-ajuda.
Depois de uma abertura belíssima num acampamento de barracas, numa longa sequência nocturna só com mulheres em volta da fogueira ou à luz de uma simples vela, em plano médio elas falam longamente do seu passado, do seu presente e dos que lhes são próximos, com uma iluminação fabulosa resultante do fogo que arde ou da vela - e eu nunca vi noite assim.
No dia que se segue estão de regresso os homens que medem e discutem o melhor rumo a seguir perante as ameaças de tiroteio próximo, e então os caminhos perdem-se montanha acima. Somos assim colocados perante a evidência do duríssimo mas solidário percurso, em diferentes momentos e espaços, desse povo, dos seus problemas e preocupações, frequentemente familiares.
Daquele que é provavelmente o melhor documentarista vivo, pelo menos aquele que tem trabalhado condições humanas mais duras e penosas desde "West of the Tracks"/"Tie Xi Ou" (2003), este filme é uma absoluta obra-prima cinematográfica, do sopro épico dos humildes despojados de tudo que ele sabe filmar nos seus momentos de convívio, de palavra e de incerteza mas também de caminhada. Sem nos poupar nem se poupar a si próprio, Wang Bing trabalha na violência e na beleza do esforço humano, de cada um e do grupo, a vibração do pulsar humano.
Sem nunca abandonar os refugiados e sem qualquer contraponto, o cineasta move-se com eles, entre eles, como se fosse um deles, que do mundo exterior apenas identificam a ameaça da guerra que se aproxima. Longe da civilização, perdidos na montanha, rumo a um destino em que esperam encontrar a segurança e a paz que não têm na sua terra.
Wang Bing só me tem chegado em sessões do DocLisboa, como este ano aconteceu, ou então no Arte. A estreia em Portugal de "A Fossa"/"Jiabiangou" (2010), o seu único filme de ficção até à data, que não é fácil, e de "Três Imãs"/"San zimei" (2012) no final do ano passado foi um desastre comercial. Ambos os filmes estão agora disponíveis em dvd - sobre este cineasta ver "Documentário épico", de 4 de Novembro de 2012.
Wang Bing só me tem chegado em sessões do DocLisboa, como este ano aconteceu, ou então no Arte. A estreia em Portugal de "A Fossa"/"Jiabiangou" (2010), o seu único filme de ficção até à data, que não é fácil, e de "Três Imãs"/"San zimei" (2012) no final do ano passado foi um desastre comercial. Ambos os filmes estão agora disponíveis em dvd - sobre este cineasta ver "Documentário épico", de 4 de Novembro de 2012.
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