“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Separados

     "Fogo no Mar"/"Fuocoammare", o novo documentário de Gianfranco Rosi (2016), é um filme muito bom e bem calibrado sobre a ilha de Lampedusa, ao Sul da Sicília, Itália, e os refugiados que, provenientes do Norte de África e do Médio Oriente, a ela chegam aos milhares nas piores condições, como é do conhecimento de todos.
                    Fire at Sea (Fuocoammare)
  Na primeira parte, mais longa, sobre a ilha e os seus habitantes, em que a questão dos refugiados surge de diversos modos em toda a sua dimensão, com imagens especialmente impressionantes da identificação, da descrição das partes e classes dos barcos de transporte precário, clandestino e pago, da revista individual, e por palavras em que os próprios descrevem sumariamente o percurso feito até ali. 
  Mas numa linha narrativa específica então acompanhamos também o muito jovem Samuele Pucillo, as suas referências familiares, escolares, médicas e de brincadeiras com o amigo Mattias Cucina, que ensina a manejar a fisga, o que serve como comentário do quotidiano dos habitantes locais.
                   Fuocoammare-rosi
      Desta forma, em "Fogo no Mar" Gianfranco Rosi consegue uma distribuição de pontos de interesse que, sem se centrarem exclusivamente nos refugiados, mais para eles permitem chamar a atenção como aqueles que, separados e no limite da sobrevivência, arriscam tudo em busca de uma vida melhor.
      Sem se deixar esmagar pela magnitude da tragédia nem nos esmagar com ela, o cineasta proporciona todos os elementos de informação necessários, que mostra em toda a sua crueza. No final surgem, inevitáveis, imagens de um desembarque nas condições mais difíceis de quem a tudo se expôs na travessia do Mediterrâneo.
                   fogo no mar fuocoammare gianfranco rosi
    O ponto de vista, exterior, é sempre justo e bem sustentado. Se alguém pensar que é preferível um documentário com o ponto de vista dos refugiados que o faça, se puder, sem se limitar a criticar "Fogo no Mar", um filme sério, intransigente e muito bem feito que, integrando tudo o que pode, começa e acaba no silêncio de Lampedusa. E não me venham com a conversa estafada do "outro", de todo descabida quando o que está em causa é mesmo o "mesmo": a mesma espécie, a mesma humanidade, que nasce, vive e morre da mesma maneira.
    Escrito pelo próprio realizador, que faz também a fotografia, a partir de ideia de Carla Cattani, este é não apenas um filme muito bom mas um filme necessário em termos documentais, que se destina a mostrar mais de perto, em alto contraste, uma situação inadmissível por quaisquer parâmetros, que dura há tempo demais e perante a qual não é possível alegar desconhecimento ou mostrar indiferença. A ver de olhos bem abertos até ao fim e aconselhar em volta - sobre Gianfranco Rosi ver "Dispersivo", de 2 de Setembro de 2014.

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