Com "O Ornitólogo" (2016) João Pedro Rodrigues constrói um filme primitivo e belíssimo, que dá a melhor continuidade a uma obra cinematográfica já longa e de grande relevo entre curtas e longas-metragens, documentário e ficção.
O início remete para "Rio Sem Regresso"/"River of No Return", de Otto Preminger (1954), para o que o cineasta chamava a atenção há tempos nos Cahiers du Cinéma, quando Fernando/Paul Hamy desce o rio numa canoa, no início de um percurso solitário em que vai encontrar primeiro duas chinesas, que o deixam amarrado e pendurado numa árvore.
Mas o melhor de "O Ornitólogo" chega a partir do momento em que a sombra móvel das nuvens se desloca sobre a terra, na floresta com os mascarados que falam mirandês e o encontro fatal do protagonista com o pastor surdo-mudo, porque a partir daí sente-se também a presença de "A Sombra do Caçador"/"The Night of the Hunter", de Charles Laughton (1955), com o seu proposto bestiário simbólico.
Depois da estatuária religiosa, das amazonas que o atingem e o acordam, dos animais estáticos e deslocados e de Fernando se ter despojado dos seus escassos pertences, o final, com os duplos, é inesperado, justo e bem visto, levando-os a caminho de Pádua, onde se cruzam com as duas chinesas do início, num percurso que tinha começado sob a égide de Santo António e no Caminho de Santiago.
Com uma fotografia soberba de Rui Poças, um grande trabalho sobre os ruídos (a floresta, a natureza) e um grande actor, as referências de um erotismo religioso percebem-se e são inteiramente conseguidas, mesmo quando forçadas - a pomba branca que afinal não tinha partido uma asa.
Escrito com João Rui Guerra da Mata, "O Ornitólogo" de João Pedro Rodrigues será o seu melhor filme até agora, com o seu percurso iniciático extravagante e fantástico, que junta o sexo e a morte com o despertar e o ressurgir. São assim inteiramente merecidos o reconhecimento e a divulgação internacionais que a sua obra está a merecer - sobre o cineasta, ver "Encruzilhada", de 30 de Março de 2013.
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