Quando se estreou "Que Horas Ela Volta?", da paulista Anna Muylaert (2015), perante os resumos promocionais não tive pressa em ver o filme. Com aquela descrição só havia uma boa hipótese de duas, o que confirmei agora ao ver o filme.
De facto, perante a chegada de Jéssica/Camila Márdila à casa em que a sua mãe, Val/Regina Cassé, trabalha como empregada domésica, ida para São Paulo para estudar arquitectura, só se podia esperar que ela viesse mexer com a família abastada, Bárbara/Karine Teles, Carlos/Lourenço Mutarelli e o filho de ambos, Fabinho/Michel Choelsas. Restava saber se o filme seguia um rumo buñueliano, definido nos seus melodramas feitos no México nos anos 50, ou um rumo pasoliniano, segundo o modelo de "Teorema" (1968), que talvez não se oponham um ao outro tanto como isso.
O filme escolhe muito claramente o modelo pulsional de Luis Buñuel, de que apresenta alguns sinais inequívocos: a recorrência de uma escada e de um cão, as águas paradas da piscina, que acaba por ser esvaziada por causa de um rato morto, os assomos de Carlos e de Fabinho - que Val conhece desde criança e confia mais nela do que na mãe -, a queda acidental de Bárbara.
Relativamente cedo no filme Jéssica tenta sair daquela casa em que a mãe é simples empregada, reduzida a esse estatuto, antes que seja tarde demais, mas da primeira vez não consegue e vê-se obrigada a regressar. Entretanto o melodrama faz a sua entrada com a descoberta de Val de uma fotografia de criança pequena, o que abre a porta para o final familiar e contra a prepotência dos senhores, em que o fracasso escolar de Fabinho contrasta com o sucesso de Jéssica.
Mas o esquema pulsional de Luis Buñuel implicava, entre outras coisas, uma queda e um declive enquanto Anna Muylaert prefere um final moralizador e feminista, que é também de inconformismo social, com a subida e a independência de quem estava submetido e a partida para longe do filho da família. Apesar do seu compromisso final com o melodrama, que Buñuel também adoptava, "Que Horas Ela Volta?" é perfeitamente claro e inequívoco nos sinais que deixa, até demasiado ostensivamente. "Está tudo certo", como Jéssica diz ao telefone.
Segundo entendi, no Brasil foi destacado o filme adoptar o ponto de vista de Jéssica e o seu significado sociológico, o que se compreende mas é meramente resultante da construção certeira da realizadora, também argumentista, e relativo ao seu circunstancial politicamente correcto. A mim fica-me o pano de fundo pulsional como grande mancha que muito pertinentemente singulariza este filme. De resto, todos sabemos que o Brasil conta com grandes actrizes e actores.
Em resumo, "Que Horas Ela Volta?" é um filme inteligente mas limitado, feito sobretudo para o consumo interno, que nos faz desejar de novo que nos chegue mais do melhor que o cinema brasileiro está a fazer neste momento. No Brasil o realismo psico-social passa melhor na telenovela.
Em resumo, "Que Horas Ela Volta?" é um filme inteligente mas limitado, feito sobretudo para o consumo interno, que nos faz desejar de novo que nos chegue mais do melhor que o cinema brasileiro está a fazer neste momento. No Brasil o realismo psico-social passa melhor na telenovela.
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