“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Evocar/Invocar

     "O Astrágalo"/"L'astragale" é a segunda longa-metragem da acriz Brigitte Sy (2014), baseada no livro homónimo de Albertine Sarrazin (1937-1967), com adaptação e diálogos seus e de Serge Le Péron. Vi-o agora, entendi (não é difícil) e gostei. Aliás, o livro autobiográfico tinha já sido adaptado ao cinema por Guy Casaril em 1968.
                      En présence de la réalisatrice et de la comédienne Leïla Bekhti
     Não tem, aliás, nada de difícil de perceber para quem conhecer os primeiros filmes de Jean-Luc Godard, nomeadamente "Viver a Sua Vida"/"Vivre sa vie" (1962), a que faz alusão expressa na figura da protagonista, Albertine/Leila Bekhti, que parte um osso do pé ao fugir da prisão e é ajudada por Julien/Reda Kateb, por quem se apaixona. É um filme garreliano, com os seus filhos Esther como Marie e Louis Garrel como fotógrafo parisiense e a própria realizadora, a mãe deles, como Rita (sobre Philippe Garrel, ver "Sair depressa", de 4 de Agosto de 2014, e "Sair devagar", de 4 de Abril de 2016).
      Albertine prostitui-se e vai à igreja onde Nana/Anna Karina se prostituía e ia ao cinema ver um filme sobre a paixão e morte de uma santa, e está bem vista uma coisa pela outra. O final cita expressamente o final do mesmo filme de Godard, como este fazia no seu início com o cinema americano dos anos 50, que "O Astrágalo" cita também - por exemplo aqueles passos sonoros de mulher. O preto e branco da fotografia de Frédéric Serve é igualmente alusivo e está muito bem utilizado.           
                     http://www.lepublicsystemecinema.fr/wp-content/uploads/2015/03/3.jpg
  Passado nos anos 50, é um excelente filme lírico, elíptico e evocativo, por vezes quase bressoniano. O meio marginal está muito bem construído e são especialmente boas as personagens femininas, em primeiro lugar a protagonista: os seus sentimentos são sentimentos comuns, a sua vida uma vida comum, aquela que lhe coube viver. Leila Bekhti está muito bem, morena e loura.
    Respeitar e convocar a memória é um propósito inteiramennte conseguido neste "O Astrágalo", em que são evocadas e invocadas a memória da vida e a memória do cinema no que têm de melhor, o que fica muito bem a Brigitte Sy. Agora tenho de ver o filme do Louis, "Os Dois Amigos"/"Les deux amis" (2015), que ainda não vi.

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