“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

terça-feira, 6 de setembro de 2016

O passado congelado

    "45 Anos"/"45 Years" é a terceira longa-metragem do inglês Andrew Haigh (2015), com argumento seu a partir do conto "In Another Country", de David Constantine. Concentrado numa semana entre um casal, Kate/Charlotte Rampling e Geoff Mercer/Tom Courtnay, que termina com a festa dos seus 45 anos de casados, encontra o seu motivo e razão de ser na notícia que ele recebe por carta logo no início. 
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     Encontrado o corpo congelado de uma antiga namorada dele que se tinha despenhado nos Alpes 50 anos antes, a notícia afecta-o e vai desestabilizar a vida de ambos. Geoff conta a Kate o que aconteceu, o que o ligava à morta agora encontrada, e responde às perguntas dela. Enquanto ele se perde entre recordações do mais distante e do mais próximo, ela procura satisfazer a sua curiosidade com fotografias antigas. Ciúmes de uma morta?
     O casal discute e reencontra-se até ao dia da festa, com o qual, e muito bem, o filme acaba. Com interpretações sóbrias e superiores de dois grandes actores, excelente fotografia de Lol Crawley e uma realização sempre justa e precisa, que constrói o espaço, o tempo e a evolução das personagens, "45 Anos" é uma pequena obra-prima de economia de meios, de contensão e de rigor, muito expressiva e sugestiva       
                     
     Na Suíça, onde Geoff talvez ainda vá, espera-o morto e congelado, intacto o seu passado - o passado de um hipotético futuro alternativo. O passado e os mortos podem actualizar-se como fantasmas, tanto mais quanto preservados como eram, como foram. Alfred Hitchcock tinha passado por aqui do lado do morto congelado num glaciar num dos seus filmes curtos para a televisão: "A Vala da Cristal"/"The Chrystal Trench" (1959). Além de "A Mulher Que Viveu Duas Vezes"/"Vertigo" (1958), evidentemente.

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