“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

A arte do documentário

   Natural de Milwaukee, Wisconsin, o americano James Benning, grande documentarista independente até agora desconhecido em Portugal, chegou-nos já no final deste ano na Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, no prosseguimento de uma muito louvável programação do cinema independente americano que já nos trouxera Robert Frank (1991), Frederick Wiseman (1994), Jon Jost (1996), Robert Kramer (2000) e Jim Jarmush (2007). E não era sem tempo pois estamos perante um dos maiores nomes do documentário no cinema.
                      JAMES BENNING, «13 Lakes», 2004.
   Trata-se, de facto, de um cineasta surpreendente por dedicar os seus documentários à terra, ao ar, à água e ao fogo do seu país mas também de outras partes do mundo, locais que surgem todos eles sempre identificados no final de cada um dos seus filmes. Mas "Ruhr" (2009) é filmado em Duisburg, na Alemanha. 
   Convém esclarecer aqui que James Benning fez os seus filmes em 16mm até 2008, e a partir daí em digital. Na sua obra avulta a denominada Trilogia da Califórnia, composta por "El Valley Centro" (2000), "Los" (2001) e Sogoby" (2002).
                      small roads (2011)                 
    Para demonstrar o seu interesse pela terra, o espaço, ele constrói cada um dos seus filmes em planos muito longos e por regra fixos em que, com o passar do tempo, de vez em quando alguma coisa acontece, como por exemplo surgir um comboio - "RR" (2007), "BNSF" (2013) - ou carros - "small roads" (2011). Às vezes nem isso, como quando filma o céu em "Ten Skies" (2005) ou a água em "13 Lakes" (2005). E enquanto o tempo passa em planos vazios o espaço, os espaços oferecem-se à nossa contemplação serena - "Four Corners" (1997), "Two Cabins" (2011).
    Pelo contrário em "One Way Boogie Woogie" (1978) e "27 Years Later" (2005) mostra naquele lapso de tempo, nos mesmos locais, com as mesmas posições de câmara e as mesmas pessoas, as que sobreviveram, o efeito da passagem do tempo - o que mudou, quem desapareceu -, e esse é com "Landscape Suicide" (1986) e "Twenty Cigarettes" (2011) um dos seus filmes mais povoados por humanos, que nos outros de todo rareiam. 
                               James Benning
    Em qualquer caso há sempre um atento e muito bom recurso aos sons - os ruídos ambiente ou, por exemplo, em "Landscape Suicide" os interrogatórios interactivos no espaço do plano, em "Deseret" (1995) a leitura do New York Times por uma voz-off, que em inglês se diz voice over.
    Na sua serenidade, os filmes de James Benning impõem-se ao imporem uma ideia da América e do mundo dos humanos longe dos estereótipos a que o cinema comercial americano nos habituou, mas também pela sua variedade e interesse. Com o seu projecto pessoal e o seu estilo próprio, ele é um documentarista  que discute a primazia do género com Fred Wiseman, o que quer dizer que é do melhor que é possível encontrar na actualidade, com possíveis influências em Chantal Akerman (1950-2015) e Abbas Kiarostami (1940-2016) entre outros. 
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   E é como o espaço vazio advém no tempo de um plano que se constrói a poética do documentário nos filmes de uma estarrecedora beleza de James Benning, com linhas rectas, urbanas, e formas contorcidas, industriais e naturais, que vivamente vos aconselho e aliás estão em grande parte acessíveis na internet - em maior número que os apresentados na retrospectiva da Cinemateca.  Uma obra vasta e fundamental para a qual quero neste momento chamar a vossa atenção.
    Agora este ciclo dedicado ao documentário encantado de um cineasta independente maior, que foi o acontecimento cinematográfico do ano em Portugal, como os anteriores merece um catálogo condigno da Cinemateca Portuguesa, de que todos ficamos à espera, mas também a edição dvd dos seus filmes - sobre Frederick Wiseman ver "Sobre arte", de 31 de Maio de 2015, e "Um olhar sempre curioso", de 5 de Novembro de 2015.

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