“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Preciso, com enigma

     "Animais Nocturnos"/"Nocturnal Animals" tem argumento (baseado em novela de Austin Wright), produção e realização de Tom Ford (2016), um realizador considerado pelo The New York Times de 2 de Dezembro passado como um dos sete autores que estão a mudar o cinema, o que talvez seja exagero.
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      O filme decorre entre a leitura por Susan Morrow/Amy Adams de um livro que lhe é enviado pelo seu ex-marido Edward Sheffield/Jake Gillenhall com o pedido de que lhe dê uma opinião e a visualização daquilo que o livro narra, um assalto na estrada a Anthony Hastings/Jake Gillenhaal que acaba com o rapto e a morte da sua mulher, Laura/Isla Fisher, e filha, India/Ellie Bamber, que o acompanhavam.
     Desta forma é-nos dado o adentrar-se de Susan naquilo que lê, que inclui a caça aos assassinos por Bobby Andes/Michael Shannon, uma leitura nocturna precedida pela aparição do seu segundo marido, Hutton Morrow/Armie Hammer e seguida pela sua reaproximação do primeiro, Edward, o autor do livro que ela lê e imagina - que tem por título "Animais nocturnos" - interpretado pelo mesmo Jake Gillenhaal que interpreta Anthony, a personagem do livro. 
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       Pode encontrar-se alguma originalidade na visualização do livro dentro do filme, o resto, com a previsível traição matrimonial de Hutton, a mistura para a leitora entre realidade e ficção e os seus flashes do passado com Edward é sobejamente conhecido para surgir como novidade. Ao tentar aguentar-se no final como melodrama "Animais nocturnos" joga na ambiguidade e perde claramente em relação a, por exemplo "Duplo Amor"/"Two Lovers", de James Gray (2008) ao tentar evocar os clássicos do género.
     O trabalho técnico e o dos actores é irrepreensível, a alusão à violência que alastra na sociedade americana é justa, mas o filme não aparenta acrescentar nada de novo a não ser a ambiguidade do assassino que foge (o enigmático "terceiro homem"), o que, juntamente com o aprumo de Amy Adams, talvez seja o enigma da narrativa dentro do filme, que é um filme dentro deste, enigma construído pela realização que, pelos termos em que é feito e pelas suas consequências, acrescido ao mais permitirá vislumbrar um princípio de mudança no cinema americano como proposto por Mary Kaye Schilling no Times.  
                   Nocturnal Animals review - A story within a story, crammed full of violence, murder, lust and regret
    Quando muito este "Animais nocturnos" de Tom Ford tem uma realização precisa baseada numa boa planificação, o que o torna aceitável, digno de registo a par de "Um Homem Singular"/"A Single Man" (2009), o seu filme de estreia, sem grandes novidades se comparado, por exemplo, com "Mulholland Drive", de David Lynch (2001), mas mesmo assim é merecedor de atenção especial por aquilo em que nos resiste e desafia Susan.

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