“Um não sei quê, que nasce não sei onde,/Vem não sei como, e dói não sei porquê.” Luís de Camões

"Na dor lida sentem bem,/Não as duas que êle teve,/Mas só a que êles não têm." Fernando Pessoa

"Lividos astros,/Soidões lacustres.../Lemes e mastros.../E os alabastros/Dos balaustres!" Camilo Pessanha

"E eu estou feliz ainda./Mas faz-se tarde/e sei que é tempo de continuar." Helder Macedo

"Conchas, pedrinhas, pedacinhos de ossos..." Camilo Pessanha

“Vem, vagamente,/Vem, levemente,/Vem sozinha, solene, com as mãos caídas/Ao teu lado, vem” Álvaro de Campos

"Chove nela graça tanta/que dá graça à fermosura;/vai fermosa, e não segura." Luís de Camões

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Eis o homem

   "Eu, Daniel Blake"/"I, Daniel Blake", o mais recente filme de Ken Loach (2016) que foi Palma de Ouro em Cannes este ano, é um filme magnífico que representa o apogeu da arte do cineasta. 
                    I, Daniel Blake (2016)
    O protagonista, interpretado por Dave Johns é um trabalhador com uma doença cardíaca que o coloca entre a reforma por invalidez e o desemprego, que tem a maior dificuldade em entender o que lhe dizem funcionários da segurança social que se limitam a debitar a seu respeito a cartilha que sabem de cor. Sem terem minimamente em atenção o facto de que, com a sua idade e na sua situação, ele quer voltar a trabalhar mas está confuso e não sabe nada sobre a internet em que é suposto preencher formulários.
   Com as referências pertinentes ao meio local, de bairro, Ken Loach centra-se sobretudo na família monoparental de Katie/Hayley Squires que, repelida pelos serviços, se vê em dificuldades para sobreviver. Aí Daniel, viúvo, faz a figura de avô, com referências à sua mulher desaparecida.
                    I-Daniel-Blake-Film-Still-slider
  Não vos vou contar a história do filme, que merece ser visto mesmo sem se saber nada sobre a sua evolução, mas chamo a atenção para que, sobre argumento de Peter Laverty, que com ele colabora regularmente há 20 anos, o realizador não se poupa nem poupa o seu protagonista, parte de uma classe operária que de maneira nenhuma edulcora.
  Refiro, em todo o caso, o encontro entre Daniel e Katie, as repetidas dificuldades dele com os serviços, a surpresa dela na supermercado, o encontro clandestino de ambos, a exteriorização pública da sua revolta por Daniel e o final como pontos mais altos de "Eu, Daniel Blake", em larga medida filmado na rua, em cenários naturais.    
                   
    Com filme sobre ele, "Versus - A Vida e os Filmes de Ken Loach"/"Versus: The Life and Films of Ken Loach" de Louise Osmond (2016), retrospectiva na Cinemateca Portuguesa e tudo, chegou a hora de todos prestarem a atenção que ele merece a este cineasta maior do nosso tempo.
   Num tempo em que mais ninguém se preocupa com os trabalhadores, muito menos entre a reforma e o desemprego, a não ser como números e votos a sacar, nâo é apenas o gesto mas a grande qualidade dramática do filme e cinematográfica do seu autor que aqui se assinala e saúda. Nada acidental a segunda Palma de Ouro em Cannes por este filme - a primeira foi-lhe atribuída por "Brisa de Mudança"/"The Wind That Shakes the Barley" (2006) - o que o fez passar a integrar um clube muito restrito de grandes cineastas. Sobre Ken Loach ver "Boa colheita", de 29 de Agosto de 2014, e "Um belo trabalho", de 28 de Fevereiro de 2015.

Sem comentários:

Enviar um comentário